No final do texto de avaliação de risco da economia brasileira, a empresa norte-americana insere a seguinte informação:
Standard & Poor's does not guarantee the accuracy, completeness, timeliness or availability of any information, including ratings, and is not responsible for any errors or omissions (negligent or otherwise), regardless of the cause, or for the results obtained from the use of such information. STANDARD & POOR'S GIVES NO EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING, BUT NOT LIMITED TO, ANY WARRANTIES OF MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE OR USE. STANDARD & POOR'S shall not be liable for any direct, indirect, incidental, exemplary, compensatory, punitive, special or consequential damages, costs, expenses, legal fees, or losses (including lost income or profits and opportunity costs) in connection with any use of this information, including ratings. Standard & Poor's ratings are statements of opinions and are not statements of fact or recommendations to purchase, hold or sell securities. They do not address the market value of securities or the suitability of securities for investment purposes, and should not be relied on as investment advice. Please read our complete disclaimer here.
Resumindo: nós produzimos a informação e não nos responsabilizamos pelos seus resultados. É como soltar uma bomba atômica e não se responsabilizar pelos seus danos e vítimas.
sexta-feira, 28 de março de 2014
segunda-feira, 24 de março de 2014
Diálogos China e América Latina, novo Livro Organizado por Marcos Cordeiro Pires e Luís Antonio Paulino
Apresento aos leitores do Blog o mais recente livro publicado no âmbito das pesquisas sobre a China:
A CONSTRUÇÃO DE UM RELACIONAMENTO
O presente livro, DIÁLOGOS CHINA E AMÉRICA LATINA, é mais um fruto do esforço de pesquisadores chineses e latino-americanos no sentido de ampliar a compreensão mútua sobre a realidade socioeconômica da China e da América Latina. Em essência, temos buscado refletir sobre os rumos dessa relação com vistas a contribuir para a maximização dos resultados até aqui alcançados e também refrear as desconfianças mútuas decorrente de um contato ainda muito recente.
O seminário que deu origem a este livro, o “FORO ACADÊMICO DE ALTO-NÍVEL ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA - "CHINA E AMÉRICA LATINA NOS PRÓXIMOS 20 ANOS: OS ATORES E SEUS PAPEIS", foi um espaço para discussão de assuntos relevantes sobre aspectos das múltiplas relações entre a República Popular da China e os países Latino-Americanos.
O formato do Foro foi definido entre o Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais (ILAS-CASS), a Editora de Ciências Sociais da China (CSSP), e também por universidades de nossa região, como a Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade de Santiago do Chile, CELC- Andrés Bello (Chile), Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), Universidade Autônoma do México e o próprio Memorial da América Latina.
O seminário em questão envolveu pesquisadores, quadros governamentais e empresariais e serviu para abrir uma pauta conjunta de temas que possam estimular pesquisas nos Institutos e Universidades de ambos os lados do Pacífico.
Como o leitor pode constatar, este livro traz importantes reflexões tanto para o estudioso de nossos países da América Latina como também dos chineses interessados em conhecer um pouco mais dessa complexa relação entre a China e seus parceiros latino-americanos.
A CONSTRUÇÃO DE UM RELACIONAMENTO
O presente livro, DIÁLOGOS CHINA E AMÉRICA LATINA, é mais um fruto do esforço de pesquisadores chineses e latino-americanos no sentido de ampliar a compreensão mútua sobre a realidade socioeconômica da China e da América Latina. Em essência, temos buscado refletir sobre os rumos dessa relação com vistas a contribuir para a maximização dos resultados até aqui alcançados e também refrear as desconfianças mútuas decorrente de um contato ainda muito recente.
O seminário que deu origem a este livro, o “FORO ACADÊMICO DE ALTO-NÍVEL ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA - "CHINA E AMÉRICA LATINA NOS PRÓXIMOS 20 ANOS: OS ATORES E SEUS PAPEIS", foi um espaço para discussão de assuntos relevantes sobre aspectos das múltiplas relações entre a República Popular da China e os países Latino-Americanos.
O formato do Foro foi definido entre o Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais (ILAS-CASS), a Editora de Ciências Sociais da China (CSSP), e também por universidades de nossa região, como a Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade de Santiago do Chile, CELC- Andrés Bello (Chile), Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), Universidade Autônoma do México e o próprio Memorial da América Latina.
O seminário em questão envolveu pesquisadores, quadros governamentais e empresariais e serviu para abrir uma pauta conjunta de temas que possam estimular pesquisas nos Institutos e Universidades de ambos os lados do Pacífico.
Como o leitor pode constatar, este livro traz importantes reflexões tanto para o estudioso de nossos países da América Latina como também dos chineses interessados em conhecer um pouco mais dessa complexa relação entre a China e seus parceiros latino-americanos.
Agência S&P rebaixa nota de crédito do Brasil: QUEM ACREDITA NA ISENÇÃO DA STANDARD AND POORS?
As agências de classificação de risco, dentre elas a Standard & Poors, são parte importante da especulação financeira em nível mundial. A opinião delas, muitas vezes, não tem nada a ver com fundamentos ou com qualquer coisa real. Dependendo do interesse, podem transformar ouro em esterco ou esterco em ouro. Elas foram responsáveis diretas pela crise financeira de 2008, pois davam notas máximas para os títulos da dívida hipotecária dos Estados Unidos, os chamados título de clientes "subprimes".
Numa Comissão do Congresso dos Estados Unidos, ao ser perguntado porque a S&P deu nota máxima aos títulos subprime, o presidente da agências respondeu: "era apenas uma opinião"!
Agora, vejam como a direita brasileira se regojiza com a suposta má notícia.
O filme Inside Job, de Charles Fergusson, mostra esta cena. Assistam no link abaixo o vídeo no youtube:
Numa Comissão do Congresso dos Estados Unidos, ao ser perguntado porque a S&P deu nota máxima aos títulos subprime, o presidente da agências respondeu: "era apenas uma opinião"!
Agora, vejam como a direita brasileira se regojiza com a suposta má notícia.
O filme Inside Job, de Charles Fergusson, mostra esta cena. Assistam no link abaixo o vídeo no youtube:
sábado, 22 de março de 2014
PARA UMA MAMÃE PREOCUPADA COM O SEU CURUMIM
Benke - Milton Nascimento
* Essa canção é o nome de um curumim do povo Kampa e é dedicada a todos os curumins de todas as raças do mundo
* Essa canção é o nome de um curumim do povo Kampa e é dedicada a todos os curumins de todas as raças do mundo
sexta-feira, 21 de março de 2014
TV TEM FAZ MATÉRIA SOBRE O IMPACTO ECONÔMICO DA UNESP NOS MUNICÍPIOS DE SÃO PAULO
Impacto economico dos campi da Unesp no interior paulista é alto
http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/tem-noticias-1edicao/videos/t/edicoes/v/impacto-economico-dos-campi-da-unesp-no-interior-paulista-e-alto/3226322/
http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/tem-noticias-1edicao/videos/t/edicoes/v/impacto-economico-dos-campi-da-unesp-no-interior-paulista-e-alto/3226322/
segunda-feira, 17 de março de 2014
A DIREITA NÃO TEM VOTOS, SÓ GOLPE!
Estamos às vésperas de lamentar o 50º aniversário do Golpe Militar de 1º de Abril de 1964, que depôs o Presidente João Goulart. Aquele ato foi o resultado do ódio acumulado pelas forças de direita contra as conquistas populares e a construção nacional iniciada em 1930, por Getúlio Vargas.
O primeiro golpe ocorreu em 24/08/1954, quando um ultimatum militar exigiu a renúncia de Vargas. Não se curvando aos golpistas, ele optou por tirar a própria vida. Na sua Carta Testamento, escreveu: “Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência”.
As forças do golpe não se intimidaram: quando o povo elegeu Juscelino Kubistchek, em 1955, tentaram impedir sua posse. Ao longo de seu mandato, duas rebeliões da Aeronáutica tentaram retirá-lo do poder: Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959), além da tentativa de derrubar o seu avião nesse mesmo ano. Para a direita, JK, ao romper com o FMI e apoiar a Petrobrás, estava levando o país para o comunismo.
A direita só conseguiu eleger um presidente em 1960, Jânio Quadros. No entanto, seis meses depois da posse renunciaria, abrindo caminho para mais uma tentativa de golpe, dessa vez para impedir a posse do Vice-Presidente, João Goulart. O golpe só não se consumou diante da resistência organizada por Leonel Brizola, então governador gaúcho.
A partir de então, até abril de 1964, os golpistas passaram a contar com o apoio do governo dos Estados Unidos que, nas eleições de 1962, despejou, em dinheiro de hoje, 200 milhões de dólares para eleger parlamentares contrários a Goulart por meio do Instituto Brasileiro de Ação Democrático (IBAD), que não só apoiou quadros da UDN, mas também de outros partidos, como Mário Covas, do então PST.
Em 25 de março de 1964, o embaixador dos EUA Lincoln Gordon enviou telegrama a Washington pedindo o envio de armas para os golpistas e também o apoio da IV Frota, que deveria estacionar a dois dias de Vitória (ES) para entrar em combate caso houvesse resistência de Goulart. Não houve.
Em resumo, a direita brasileira não tem votos porque não têm políticas para a nação brasileira. Sem votos, a direita só tem o golpe, o arbítrio e a violência.
O primeiro golpe ocorreu em 24/08/1954, quando um ultimatum militar exigiu a renúncia de Vargas. Não se curvando aos golpistas, ele optou por tirar a própria vida. Na sua Carta Testamento, escreveu: “Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência”.
As forças do golpe não se intimidaram: quando o povo elegeu Juscelino Kubistchek, em 1955, tentaram impedir sua posse. Ao longo de seu mandato, duas rebeliões da Aeronáutica tentaram retirá-lo do poder: Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959), além da tentativa de derrubar o seu avião nesse mesmo ano. Para a direita, JK, ao romper com o FMI e apoiar a Petrobrás, estava levando o país para o comunismo.
A direita só conseguiu eleger um presidente em 1960, Jânio Quadros. No entanto, seis meses depois da posse renunciaria, abrindo caminho para mais uma tentativa de golpe, dessa vez para impedir a posse do Vice-Presidente, João Goulart. O golpe só não se consumou diante da resistência organizada por Leonel Brizola, então governador gaúcho.
A partir de então, até abril de 1964, os golpistas passaram a contar com o apoio do governo dos Estados Unidos que, nas eleições de 1962, despejou, em dinheiro de hoje, 200 milhões de dólares para eleger parlamentares contrários a Goulart por meio do Instituto Brasileiro de Ação Democrático (IBAD), que não só apoiou quadros da UDN, mas também de outros partidos, como Mário Covas, do então PST.
Em 25 de março de 1964, o embaixador dos EUA Lincoln Gordon enviou telegrama a Washington pedindo o envio de armas para os golpistas e também o apoio da IV Frota, que deveria estacionar a dois dias de Vitória (ES) para entrar em combate caso houvesse resistência de Goulart. Não houve.
Em resumo, a direita brasileira não tem votos porque não têm políticas para a nação brasileira. Sem votos, a direita só tem o golpe, o arbítrio e a violência.
O QUE PAUL KRUGMAN TEM A ENSINAR AOS RACISTAS BRASILEIROS? RECLAMA-SE DA BOLSA FAMÍLIA, MAS NÃO DA BOLSA BANQUEIRO!
AQUELE VELHO REFRÃO
FSP- 17/03/2014.
PAUL KRUGMAN
Existem muitas coisas negativas a dizer sobre Paul Ryan, presidente do Comitê Orçamentário da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos e, para todos os efeitos, líder intelectual do Partido Republicano. Mas é necessário admitir que ele é um homem muito articulado, um especialista em fazer parecer que ele sabe sobre o que está falando.
Por isso é cômico, de certa maneira, ver Ryan tentando minimizar algumas declarações recentes nas quais atribuía a pobreza persistente a uma "cultura, especialmente em alguns centros urbanos decadentes, de os homens não trabalharem, de gerações inteiras de homens nem pensarem em trabalhar". Ryan agora diz que ao fazer essas declarações ele foi "desarticulado". Como é que alguém pode sugerir que ele estivesse repetindo refrões racistas? Ora, ele chegou até a citar trabalhos de acadêmicos importantes - gente como Charles Murray, mais conhecido por argumentar que os negros são geneticamente inferiores aos brancos. Ops, calma lá.
É bom deixar claro que não existem indicações de que Ryan seja racista, como pessoa, e seu uso de um clichê racial talvez nem tenha sido deliberado. Ele disse o que disse porque esse é o tipo de coisa que os conservadores dizem uns aos outros o tempo todo. E por que eles dizem coisas como essas? Porque o conservadorismo norte-americano continua a ser, depois de todos esses anos, propelido por alegações de que os progressistas estão tirando o dinheiro que ganhamos com nosso trabalho suado para dá-lo Àquelas Pessoas.
De fato, a raça é a Pedra de Roseta que ajuda a traduzir muitos aspectos de outro modo incompreensíveis da política norte-americana.
Dizem, por exemplo, que os conservadores são contra o governo grande e gastos públicos pesados. Mas no momento mesmo em que os governadores e Legislativos estaduais republicanos bloqueiam a expansão do programa federal de saúde Medicaid, o partido denuncia ferozmente algumas medidas modestas para reduzir os gastos com o Medicare, outro programa federal de saúde. Como explicar essa contradição? Bem, basta ver com quem muitos beneficiários do Medicare se parecem - e estou falando de cor de pele, e não de caráter. Pronto, mistério resolvido.
Ou dizem que os conservadores, especialmente o movimento Tea Party, se opõem à assistência social porque acreditam em responsabilidade pessoal, em uma sociedade na qual as pessoas precisam arcar com as consequências de suas ações. Mas é difícil encontrar críticas ferozes do Tea Party aos imensos resgates a Wall Street, às imensas bonificações pagas a executivos salvos do desastre por intervenções e garantias do governo. Em lugar disso, toda a paixão do movimento, a começar pelo famoso surto de indignação de Rick Santelli na CNBC, é dirigida contra qualquer indício de um esforço para ajudar os devedores de baixa renda. E o que exatamente, nesses devedores, os torna tamanhos alvos de ira? Você sabe a resposta.
Uma estranha consequência de nossa política ainda dividida em linhas raciais é que os conservadores continuam, na prática, a se mobilizar contra os vagabundos sustentados pela Estado de bem-estar social ainda que nem os vagabundos e nem o Estado de bem-estar social existam mais, se é que existiram um dia. A fúria de Santelli era voltada a medidas de resgate a mutuários devedores em seus financiamentos residenciais que na realidade nunca entraram em vigor. E a teoria de Ryan sobre a pobreza, a de que os homens negros não querem trabalhar, está defasada em décadas.
Nos anos 70, ainda era possível alegar, de boa fé, que havia oportunidades abundantes nos Estados Unidos, e que a pobreza só persistia devido a uma crise cultural entre os negros norte-americanos. Na época, afinal, os empregos industriais continuavam a pagar bem e o desemprego era baixo. Mas a realidade é que as oportunidades eram muito menos abundantes do que os norte-americanos ricos imaginavam; como documentou o sociólogo William Julius Wilson, a fuga da indústria antes instalada nos centros urbanos significou que os trabalhadores das minorias literalmente não tinham como chegar àqueles bons empregos, e a suposta causa cultural da pobreza era na verdade efeito da falta de oportunidade. Ainda assim, é compreensível que muitos observadores não tenham percebido isso.
Mas ao longo dos últimos 40 anos, os bons empregos para trabalhadores comuns desapareceram, e não só nos centros urbanos mas em toda parte: ponderados pela inflação do período, os salários de 60% dos norte-americanos de classe trabalhadora caíram, no período. E à medida que as oportunidades econômicas encolhiam para metade da população, muitos comportamentos que costumavam ser apontados como prova da deterioração da cultura negra - casamentos dissolvidos, abuso de drogas e assim por diante - se espalharam também entre os brancos da classe trabalhadora.
Esses fatos desconfortáveis não penetraram no mundo da ideologia conservadora, no entanto. No começo do mês, o Comitê Orçamentário da Câmara, por instrução de Ryan, divulgou um relatório de 205 páginas sobre o suposto fracasso da guerra contra a pobreza. O que o relatório tem a dizer sobre o impacto da queda dos salários reais? Bem, o assunto jamais é mencionado.
E porque os conservadores não conseguem se forçar a reconhecer a realidade do que está acontecendo nos Estados Unidos, em termos de oportunidade, só lhes resta repetir os velhos refrões. Ryan, portanto, não foi desarticulado: ele disse o que disse porque é só isso que tem a dizer.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.
Leia as colunas anteriores
FSP- 17/03/2014.
PAUL KRUGMAN
Existem muitas coisas negativas a dizer sobre Paul Ryan, presidente do Comitê Orçamentário da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos e, para todos os efeitos, líder intelectual do Partido Republicano. Mas é necessário admitir que ele é um homem muito articulado, um especialista em fazer parecer que ele sabe sobre o que está falando.
Por isso é cômico, de certa maneira, ver Ryan tentando minimizar algumas declarações recentes nas quais atribuía a pobreza persistente a uma "cultura, especialmente em alguns centros urbanos decadentes, de os homens não trabalharem, de gerações inteiras de homens nem pensarem em trabalhar". Ryan agora diz que ao fazer essas declarações ele foi "desarticulado". Como é que alguém pode sugerir que ele estivesse repetindo refrões racistas? Ora, ele chegou até a citar trabalhos de acadêmicos importantes - gente como Charles Murray, mais conhecido por argumentar que os negros são geneticamente inferiores aos brancos. Ops, calma lá.
É bom deixar claro que não existem indicações de que Ryan seja racista, como pessoa, e seu uso de um clichê racial talvez nem tenha sido deliberado. Ele disse o que disse porque esse é o tipo de coisa que os conservadores dizem uns aos outros o tempo todo. E por que eles dizem coisas como essas? Porque o conservadorismo norte-americano continua a ser, depois de todos esses anos, propelido por alegações de que os progressistas estão tirando o dinheiro que ganhamos com nosso trabalho suado para dá-lo Àquelas Pessoas.
De fato, a raça é a Pedra de Roseta que ajuda a traduzir muitos aspectos de outro modo incompreensíveis da política norte-americana.
Dizem, por exemplo, que os conservadores são contra o governo grande e gastos públicos pesados. Mas no momento mesmo em que os governadores e Legislativos estaduais republicanos bloqueiam a expansão do programa federal de saúde Medicaid, o partido denuncia ferozmente algumas medidas modestas para reduzir os gastos com o Medicare, outro programa federal de saúde. Como explicar essa contradição? Bem, basta ver com quem muitos beneficiários do Medicare se parecem - e estou falando de cor de pele, e não de caráter. Pronto, mistério resolvido.
Ou dizem que os conservadores, especialmente o movimento Tea Party, se opõem à assistência social porque acreditam em responsabilidade pessoal, em uma sociedade na qual as pessoas precisam arcar com as consequências de suas ações. Mas é difícil encontrar críticas ferozes do Tea Party aos imensos resgates a Wall Street, às imensas bonificações pagas a executivos salvos do desastre por intervenções e garantias do governo. Em lugar disso, toda a paixão do movimento, a começar pelo famoso surto de indignação de Rick Santelli na CNBC, é dirigida contra qualquer indício de um esforço para ajudar os devedores de baixa renda. E o que exatamente, nesses devedores, os torna tamanhos alvos de ira? Você sabe a resposta.
Uma estranha consequência de nossa política ainda dividida em linhas raciais é que os conservadores continuam, na prática, a se mobilizar contra os vagabundos sustentados pela Estado de bem-estar social ainda que nem os vagabundos e nem o Estado de bem-estar social existam mais, se é que existiram um dia. A fúria de Santelli era voltada a medidas de resgate a mutuários devedores em seus financiamentos residenciais que na realidade nunca entraram em vigor. E a teoria de Ryan sobre a pobreza, a de que os homens negros não querem trabalhar, está defasada em décadas.
Nos anos 70, ainda era possível alegar, de boa fé, que havia oportunidades abundantes nos Estados Unidos, e que a pobreza só persistia devido a uma crise cultural entre os negros norte-americanos. Na época, afinal, os empregos industriais continuavam a pagar bem e o desemprego era baixo. Mas a realidade é que as oportunidades eram muito menos abundantes do que os norte-americanos ricos imaginavam; como documentou o sociólogo William Julius Wilson, a fuga da indústria antes instalada nos centros urbanos significou que os trabalhadores das minorias literalmente não tinham como chegar àqueles bons empregos, e a suposta causa cultural da pobreza era na verdade efeito da falta de oportunidade. Ainda assim, é compreensível que muitos observadores não tenham percebido isso.
Mas ao longo dos últimos 40 anos, os bons empregos para trabalhadores comuns desapareceram, e não só nos centros urbanos mas em toda parte: ponderados pela inflação do período, os salários de 60% dos norte-americanos de classe trabalhadora caíram, no período. E à medida que as oportunidades econômicas encolhiam para metade da população, muitos comportamentos que costumavam ser apontados como prova da deterioração da cultura negra - casamentos dissolvidos, abuso de drogas e assim por diante - se espalharam também entre os brancos da classe trabalhadora.
Esses fatos desconfortáveis não penetraram no mundo da ideologia conservadora, no entanto. No começo do mês, o Comitê Orçamentário da Câmara, por instrução de Ryan, divulgou um relatório de 205 páginas sobre o suposto fracasso da guerra contra a pobreza. O que o relatório tem a dizer sobre o impacto da queda dos salários reais? Bem, o assunto jamais é mencionado.
E porque os conservadores não conseguem se forçar a reconhecer a realidade do que está acontecendo nos Estados Unidos, em termos de oportunidade, só lhes resta repetir os velhos refrões. Ryan, portanto, não foi desarticulado: ele disse o que disse porque é só isso que tem a dizer.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.
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sábado, 15 de março de 2014
SOBRE CARGA TRIBUTÁRIA E SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL E NA SUÉCIA
Com relação ao post anterior, em que estudo patrocinado pela BBC mostra que os ricos do Brasil são os que menos pagam impostos entre os países do G-20, é preciso agregar que Suécia, Dinamarca, Noruega ou Finlândia não entram nesse grupo de países. Na Escandinávia, rico para em média 55% de sua renda em impostos. No entanto, lá apresenta o melhor nível de desenvolvimento humano e a menor desigualdade do mundo. Na conta do G-20, lembrem-se que a carga dos ricos é diluída pela carga tributária de países mais pobres e desiguais como Indonésia, Índia, África do Sul ou México. Logo, a situação do Brasil é bem pior do que se imagina.
Agora, há uma mitificação feita pela imprensa com relação à carga tributária no Brasil, em torno de 36% do PIB, e a qualidade dos serviços públicos. Desconsiderando o peso dos juros da dívida interna (cujos recursos vão para os mais ricos), a corrupção enraizada no serviço público (e nos fornecedores do Estado) e ainda a falta de profissionalismo de grande parte dos servidores do Estado, há um fato inquestionável para entender porque a qualidade do serviço público no Brasil é ruim em comparação com os países desenvolvidos: A FALTA DE RECURSOS! Façamos os cálculos:
A renda per capita do Brasil é de US$10.000,00. Com a atual carga tributária, cada brasileiro, em média, contribuiu com US$ 3.600,00 por ano.
A renda per capita da Suécia é de US$ 35.000,00. Com a mesma carga tributária do Brasil, um sueco pagaria US$12.600,00, ou seja, 3 vezes e meia a mais que o brasileiro. Dito de outra maneira: mesmo se a carga tributária do Brasil fosse de 100%, ainda assim o Brasil não poderia oferecer os mesmos serviços e com a mesma qualidade que os suecos. É fato!
A toda esta conta, junte-se mais um ingrediente: SONEGAÇÃO. Na dívida ativa do governo, há pelo menos 1 trilhão de reais de impostos sonegados. Pergunta: quem sonega, o trabalhador, cujo imposto já vem cobrado em folha salarial ou nos produtos consumidos, ou o andar de cima da sociedade, como empresários, fazendeiros, médicos, advogados, banqueiros e tantos outros cuja renda não é fiscalizada pelo governo, ou porque corrompem auditores fiscais ou ainda porque pagam os caríssimos advogados tributarista para sonegar "dentro da lei"?
Por que será que a FIESP, a Rede Globo e a FEBRABAN jogaram tão pesado para a extinção da CPMF, cujo peso no bolso dos mais pobres era ínfimo, mas significaria uma grande injeção de recursos no SUS?
Agora, há uma mitificação feita pela imprensa com relação à carga tributária no Brasil, em torno de 36% do PIB, e a qualidade dos serviços públicos. Desconsiderando o peso dos juros da dívida interna (cujos recursos vão para os mais ricos), a corrupção enraizada no serviço público (e nos fornecedores do Estado) e ainda a falta de profissionalismo de grande parte dos servidores do Estado, há um fato inquestionável para entender porque a qualidade do serviço público no Brasil é ruim em comparação com os países desenvolvidos: A FALTA DE RECURSOS! Façamos os cálculos:
A renda per capita do Brasil é de US$10.000,00. Com a atual carga tributária, cada brasileiro, em média, contribuiu com US$ 3.600,00 por ano.
A renda per capita da Suécia é de US$ 35.000,00. Com a mesma carga tributária do Brasil, um sueco pagaria US$12.600,00, ou seja, 3 vezes e meia a mais que o brasileiro. Dito de outra maneira: mesmo se a carga tributária do Brasil fosse de 100%, ainda assim o Brasil não poderia oferecer os mesmos serviços e com a mesma qualidade que os suecos. É fato!
A toda esta conta, junte-se mais um ingrediente: SONEGAÇÃO. Na dívida ativa do governo, há pelo menos 1 trilhão de reais de impostos sonegados. Pergunta: quem sonega, o trabalhador, cujo imposto já vem cobrado em folha salarial ou nos produtos consumidos, ou o andar de cima da sociedade, como empresários, fazendeiros, médicos, advogados, banqueiros e tantos outros cuja renda não é fiscalizada pelo governo, ou porque corrompem auditores fiscais ou ainda porque pagam os caríssimos advogados tributarista para sonegar "dentro da lei"?
Por que será que a FIESP, a Rede Globo e a FEBRABAN jogaram tão pesado para a extinção da CPMF, cujo peso no bolso dos mais pobres era ínfimo, mas significaria uma grande injeção de recursos no SUS?
EXPLICAÇÃO PARA A DESIGUALDADE DO BRASIL: Rico é menos taxado no Brasil do que na maioria do G20
Do G1: http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/03/rico-e-menos-taxado-no-brasil-do-que-na-maioria-do-g20.html
Sistema tributário brasileiro penaliza mais os pobres, mostram estudos.
Da BBC
Reclamar dos impostos é hábito comum da elite brasileira. Mas uma comparação internacional mostra que a parcela mais abastada da população não paga tantos tributos assim. Estudos indicam que são justamente os mais pobres que mais contribuem para custear os serviços públicos no país.
Levantamento da PricewaterhouseCoopers (PWC) feito com exclusividade para a BBC Brasil revela que o imposto de renda cobrado da classe média alta e dos ricos no Brasil é menor que o praticado na grande maioria dos países do G20 - grupo que reúne as 19 nações de maior economia do mundo mais a União Europeia.
Quem ganha mais no Brasil?
* 111.893 recebem mais de R$ 20 mil por mês
* 23.554 recebem mais de R$ 45 mil por mês
* 11.851 recebem mais de R$ 75 mil por mês
A consultoria comparou três faixas de renda anual: 70 mil libras, 150 mil libras e 250 mil libras - renda média mensal de cerca de R$ 23 mil, R$ 50 mil e R$ 83 mil, respectivamente, valores que incorporam mensalmente o décimo terceiro salário, no caso dos que o recebem.
Nas três comparações, os brasileiros pagam menos imposto de renda do que a maioria dos contribuintes dos 19 países do G20.
Nas duas maiores faixas de renda analisadas, o Brasil é o terceiro país de menor alíquota. O contribuinte brasileiro que ganha mensalmente, por exemplo, cerca de R$ 50 mil fica com 74% desse valor após descontar o imposto. Na média dos 19 países, o que resta após o pagamento do imposto é 67,5%.
Já na menor faixa analisada, o Brasil é o quarto país que menos taxa a renda, embora nesse caso a distância em relação aos demais diminua. Quem ganha por ano o equivalente a 75 mil libras (cerca de R$ 23 mil por mês), tem renda líquida de 75,5% no Brasil e de 72% na média do G20.
As maiores alíquotas são típicas de países europeus, onde há sistemas de bem estar social consolidados, mas estão presentes também em alguns países emergentes.
Na Itália, por exemplo, praticamente metade da renda das pessoas de classe média alta ou ricas vai para os cofres públicos. Na Índia, cerca de 40% ou mais, assim como no Reino Unido e na África do Sul, quando consideradas as duas faixas de renda mais altas em análise.
Carga alta
Apesar de a comparação internacional revelar que os brasileiros mais abastados pagam menos imposto de renda, a carga tributária brasileira - ou seja, a relação entre tudo que é arrecadado em tributos e a renda total do país (o PIB) - é mais alta que a média.
Na média do G20, 26% da renda gerada no país vai para os governos por meio de impostos, enquanto no Brasil o índice é de 35%, mostram dados compilados pela Heritage Foundation. No grupo, apenas os países da Europa ocidental têm carga tributária maior - França e Itália são as campeãs, com mais de 40%.
O que está por trás do tamanho da carga tributária brasileira é o grande volume de impostos indiretos, ou seja, tributos que incidem sobre produção e comercialização - que no fim das contas são repassados ao consumidor final.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), impostos indiretos representam cerca de 40% da carga tributária brasileira, enquanto os diretos (impostos sobre renda e capital) são 28%. Contribuições previdenciárias são outra parcela relevante.
O grande problema é que esses impostos indiretos são iguais para todos e por isso acabam, proporcionalmente, penalizando mais os mais pobres. Por exemplo, o tributo pago quando uma pessoa compra um saco de arroz ou um bilhete de metrô será o mesmo, independentemente de sua renda. Logo, significa uma proporção maior da remuneração de quem ganha menos.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), impostos indiretos representam cerca de 40% da carga tributária brasileira, enquanto os diretos (impostos sobre renda e capital) são 28%. Contribuições previdenciárias são outra parcela relevante.
O governo taxa mais a produção e o consumo porque esse tipo de tributo é mais fácil de fiscalizar que o cobrado sobre a renda, observa o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, João Eloi Olenike.
'De tanto se preocupar em combater a sonegação, o governo acaba criando injustiças tributárias', afirma.
Concentração de renda
Os governos federal, estaduais e municipais administram juntos uma fatia muito relevante da renda nacional. Por isso, a forma como arrecadam e gastam tem impacto direto na distribuição de renda.
Se por um lado os benefícios sociais e os gastos com saúde e educação públicas contribuem para a redução da desigualdade, o fato do poder público taxar proporcionalmente mais os pobres significa que ao arrecadar os tributos atua no sentido oposto, de concentrar renda.
Um estudo de economistas do Ipea e da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que, no Brasil, o Índice de Gini - indicador que mede a concentração de renda - sobe após a arrecadação de impostos e recua após os gastos públicos.
Segundo estimativas com dados de 2009, o índice era de 0,591, ao se considerar a renda original da população (antes do recebimento de benefícios sociais e tributos). O número recuava para 0,560 após o pagamento de benefícios como aposentadorias, pensões e Bolsa Família, mas subia novamente para 0,565 após considerar o pagamento de tributos.
O índice volta a cair após se analisar os impactos dos gastos públicos que mais reduzem a distribuição de renda são as despesas com saúde e educação, já que a maioria dos beneficiários desses serviços são os mais pobres. A partir de dados oficias sobre o uso desses serviços, os economistas estimaram que esses gastos públicos reduziam o índice de Gini para 0,479 em 2009.
O saldo geral disso tudo é que, após o governo arrecadar e gastar, a desigualdade de renda caía 19% naquele ano. Mas num país tão desigual, a queda precisa ser maior, afirma Fernado Gaiger, um dos autores da pesquisa: 'O tributo tem uma função de coesão social'.
Não há boas comparações internacionais recentes disponíveis para a questão, mas um estudo de anos atrás do Banco Mundial, indica que em países europeus a queda da desigualdade é de mais de 30% após a intervenção do Estado, mesmo sem se considerar os gastos em saúde e educação.
Mudanças nos impostos
Os quatro especialistas ouvidos pela BBC Brasil defenderam a redução dos impostos indiretos, que penalizam mais os pobres, e a elevação da taxação sobre renda, propriedade e herança. 'Seria uma questão de justiça tributária', diz o especialista em contas públicas Mansueto Almeida.
Gaiger, por exemplo, propõe que haja mais duas alíquotas de Imposto de Renda - uma de 35% para quem ganha por mês entre R$ 6.000 e R$ 13.700 e outra de 45% para quem recebe mais que isso.
Hoje, a taxa máxima é de 27,5%, para todos que recebem acima de R$ 4.463,81. Muitos não sabem, mas essas alíquotas são 'marginais'. Ou seja, apenas a parcela da renda acima desse limite é tributado pela alíquota máxima, não a renda toda.
No entanto, os especialistas observam que embora seja justo ter mais alíquotas, isso não tem impacto relevante em termos de arrecadação, porque uma parcela muito pequena da população tem renda dessa magnitude. Segundo o IBGE, apenas 111.893 pessoas em todo o país diseram ao Censo de 2010 receber mais de R$ 20 mil por mês.
Para 2014, a previsão é de que a Receita Federal deixará de arracadar R$ 35,2 bilhões por causas de descontos e inseções desse tipo. Desse total, R$ 10,7 bilhões são deduções de gastos com saúde e R$ 4,1 bilhão de gastos com educação - somados equivalem a 13% do total dos gastos federais previstos para as duas áreas neste ano (R$ 113,6 bilhões).
Impostos de mais?
Apesar de ser lugar comum criticar o tamanho da carga tributária do Brasil, estudiosos do tema dizem que não há um número ideal.
O mais importante, defendem, é reduzir as possibilidades de descontos no Imposto de Renda. Hoje, por exemplo, é possível abater do imposto devido gastos privados com saúde e educação. Na prática, isso significa que o Estado está subsidiando serviços privados justamente para a parcela da população de maior renda, ou seja, que precisa menos. 'É o bolsa rico', diz Gaiger.
'O tamanho da carga é uma escolha da sociedade. Se as pessoas quiserem serviços públicos universais e benefícios sociais, o recolhimento de impostos terá que ser maior. Se quisermos que o educação e a saúde seja apenas privada, por exemplo, a carga poderá ser menor', observa Samuel Pessoa, da FGV.
Na sua avaliação, a discussão mais importante não é a redução da carga tributária, mas mudar sua estrutura e simplificá-la, para diminuir as desigualdades e reduzir os custos das empresas com burocracia.
Sistema tributário brasileiro penaliza mais os pobres, mostram estudos.
Da BBC
Reclamar dos impostos é hábito comum da elite brasileira. Mas uma comparação internacional mostra que a parcela mais abastada da população não paga tantos tributos assim. Estudos indicam que são justamente os mais pobres que mais contribuem para custear os serviços públicos no país.
Levantamento da PricewaterhouseCoopers (PWC) feito com exclusividade para a BBC Brasil revela que o imposto de renda cobrado da classe média alta e dos ricos no Brasil é menor que o praticado na grande maioria dos países do G20 - grupo que reúne as 19 nações de maior economia do mundo mais a União Europeia.
Quem ganha mais no Brasil?
* 111.893 recebem mais de R$ 20 mil por mês
* 23.554 recebem mais de R$ 45 mil por mês
* 11.851 recebem mais de R$ 75 mil por mês
A consultoria comparou três faixas de renda anual: 70 mil libras, 150 mil libras e 250 mil libras - renda média mensal de cerca de R$ 23 mil, R$ 50 mil e R$ 83 mil, respectivamente, valores que incorporam mensalmente o décimo terceiro salário, no caso dos que o recebem.
Nas três comparações, os brasileiros pagam menos imposto de renda do que a maioria dos contribuintes dos 19 países do G20.
Nas duas maiores faixas de renda analisadas, o Brasil é o terceiro país de menor alíquota. O contribuinte brasileiro que ganha mensalmente, por exemplo, cerca de R$ 50 mil fica com 74% desse valor após descontar o imposto. Na média dos 19 países, o que resta após o pagamento do imposto é 67,5%.
Já na menor faixa analisada, o Brasil é o quarto país que menos taxa a renda, embora nesse caso a distância em relação aos demais diminua. Quem ganha por ano o equivalente a 75 mil libras (cerca de R$ 23 mil por mês), tem renda líquida de 75,5% no Brasil e de 72% na média do G20.
As maiores alíquotas são típicas de países europeus, onde há sistemas de bem estar social consolidados, mas estão presentes também em alguns países emergentes.
Na Itália, por exemplo, praticamente metade da renda das pessoas de classe média alta ou ricas vai para os cofres públicos. Na Índia, cerca de 40% ou mais, assim como no Reino Unido e na África do Sul, quando consideradas as duas faixas de renda mais altas em análise.
Carga alta
Apesar de a comparação internacional revelar que os brasileiros mais abastados pagam menos imposto de renda, a carga tributária brasileira - ou seja, a relação entre tudo que é arrecadado em tributos e a renda total do país (o PIB) - é mais alta que a média.
Na média do G20, 26% da renda gerada no país vai para os governos por meio de impostos, enquanto no Brasil o índice é de 35%, mostram dados compilados pela Heritage Foundation. No grupo, apenas os países da Europa ocidental têm carga tributária maior - França e Itália são as campeãs, com mais de 40%.
O que está por trás do tamanho da carga tributária brasileira é o grande volume de impostos indiretos, ou seja, tributos que incidem sobre produção e comercialização - que no fim das contas são repassados ao consumidor final.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), impostos indiretos representam cerca de 40% da carga tributária brasileira, enquanto os diretos (impostos sobre renda e capital) são 28%. Contribuições previdenciárias são outra parcela relevante.
O grande problema é que esses impostos indiretos são iguais para todos e por isso acabam, proporcionalmente, penalizando mais os mais pobres. Por exemplo, o tributo pago quando uma pessoa compra um saco de arroz ou um bilhete de metrô será o mesmo, independentemente de sua renda. Logo, significa uma proporção maior da remuneração de quem ganha menos.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), impostos indiretos representam cerca de 40% da carga tributária brasileira, enquanto os diretos (impostos sobre renda e capital) são 28%. Contribuições previdenciárias são outra parcela relevante.
O governo taxa mais a produção e o consumo porque esse tipo de tributo é mais fácil de fiscalizar que o cobrado sobre a renda, observa o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, João Eloi Olenike.
'De tanto se preocupar em combater a sonegação, o governo acaba criando injustiças tributárias', afirma.
Concentração de renda
Os governos federal, estaduais e municipais administram juntos uma fatia muito relevante da renda nacional. Por isso, a forma como arrecadam e gastam tem impacto direto na distribuição de renda.
Se por um lado os benefícios sociais e os gastos com saúde e educação públicas contribuem para a redução da desigualdade, o fato do poder público taxar proporcionalmente mais os pobres significa que ao arrecadar os tributos atua no sentido oposto, de concentrar renda.
Um estudo de economistas do Ipea e da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que, no Brasil, o Índice de Gini - indicador que mede a concentração de renda - sobe após a arrecadação de impostos e recua após os gastos públicos.
Segundo estimativas com dados de 2009, o índice era de 0,591, ao se considerar a renda original da população (antes do recebimento de benefícios sociais e tributos). O número recuava para 0,560 após o pagamento de benefícios como aposentadorias, pensões e Bolsa Família, mas subia novamente para 0,565 após considerar o pagamento de tributos.
O índice volta a cair após se analisar os impactos dos gastos públicos que mais reduzem a distribuição de renda são as despesas com saúde e educação, já que a maioria dos beneficiários desses serviços são os mais pobres. A partir de dados oficias sobre o uso desses serviços, os economistas estimaram que esses gastos públicos reduziam o índice de Gini para 0,479 em 2009.
O saldo geral disso tudo é que, após o governo arrecadar e gastar, a desigualdade de renda caía 19% naquele ano. Mas num país tão desigual, a queda precisa ser maior, afirma Fernado Gaiger, um dos autores da pesquisa: 'O tributo tem uma função de coesão social'.
Não há boas comparações internacionais recentes disponíveis para a questão, mas um estudo de anos atrás do Banco Mundial, indica que em países europeus a queda da desigualdade é de mais de 30% após a intervenção do Estado, mesmo sem se considerar os gastos em saúde e educação.
Mudanças nos impostos
Os quatro especialistas ouvidos pela BBC Brasil defenderam a redução dos impostos indiretos, que penalizam mais os pobres, e a elevação da taxação sobre renda, propriedade e herança. 'Seria uma questão de justiça tributária', diz o especialista em contas públicas Mansueto Almeida.
Gaiger, por exemplo, propõe que haja mais duas alíquotas de Imposto de Renda - uma de 35% para quem ganha por mês entre R$ 6.000 e R$ 13.700 e outra de 45% para quem recebe mais que isso.
Hoje, a taxa máxima é de 27,5%, para todos que recebem acima de R$ 4.463,81. Muitos não sabem, mas essas alíquotas são 'marginais'. Ou seja, apenas a parcela da renda acima desse limite é tributado pela alíquota máxima, não a renda toda.
No entanto, os especialistas observam que embora seja justo ter mais alíquotas, isso não tem impacto relevante em termos de arrecadação, porque uma parcela muito pequena da população tem renda dessa magnitude. Segundo o IBGE, apenas 111.893 pessoas em todo o país diseram ao Censo de 2010 receber mais de R$ 20 mil por mês.
Para 2014, a previsão é de que a Receita Federal deixará de arracadar R$ 35,2 bilhões por causas de descontos e inseções desse tipo. Desse total, R$ 10,7 bilhões são deduções de gastos com saúde e R$ 4,1 bilhão de gastos com educação - somados equivalem a 13% do total dos gastos federais previstos para as duas áreas neste ano (R$ 113,6 bilhões).
Impostos de mais?
Apesar de ser lugar comum criticar o tamanho da carga tributária do Brasil, estudiosos do tema dizem que não há um número ideal.
O mais importante, defendem, é reduzir as possibilidades de descontos no Imposto de Renda. Hoje, por exemplo, é possível abater do imposto devido gastos privados com saúde e educação. Na prática, isso significa que o Estado está subsidiando serviços privados justamente para a parcela da população de maior renda, ou seja, que precisa menos. 'É o bolsa rico', diz Gaiger.
'O tamanho da carga é uma escolha da sociedade. Se as pessoas quiserem serviços públicos universais e benefícios sociais, o recolhimento de impostos terá que ser maior. Se quisermos que o educação e a saúde seja apenas privada, por exemplo, a carga poderá ser menor', observa Samuel Pessoa, da FGV.
Na sua avaliação, a discussão mais importante não é a redução da carga tributária, mas mudar sua estrutura e simplificá-la, para diminuir as desigualdades e reduzir os custos das empresas com burocracia.
quarta-feira, 12 de março de 2014
E-BOOK GRATUITO: REFLEXÕES SOBRE A PAZ - Organizado por Rafael Salatini
Meus Caros,
A Unesp acaba de publicar o livro 'Reflexões sobre a Paz", organizado por Rafael Salatini.
O sumário do livro é este:
Apresentação
Rafael Salatini............................................................................................ 5
Parte I:
I Encontro Reflexões sobre a Paz
Irene ri: a paz como ideal na comédia de Aristófanes
Adriane da Silva Duarte.............................................................................. 17
O tema da paz perpétua
Rafael Salatini............................................................................................ 33
A paz reexaminada
Luiz Paulo Rouanet..................................................................................... 51
A proteção internacional das minorias
Soraya Nour ............................................................................................... 69
Precariedade e primitivismo do sistema internacional
Ricardo Seitenfus......................................................................................... 85
As operações de paz como ferramenta para a construção da paz
Sérgio Luiz Cruz Aguilar............................................................................. 101
Parte II
Contribuições para a Reflexão sobre a Paz
A contribuição histórica do direito internacional público para a
consecução da paz
José Blanes Sala........................................................................................... 119
Paz, desenvolvimento e integração: o espaço sul-americano na política
externa de Lula da Silva
Roberto Goulart Menezes............................................................................. 137
África subsaariana: considerações sobre paz, inseguridade e crises
Claudio Oliveira Ribeiro; Natalia N. Fingermann........................................ 159
Guerra e paz na região dos “Grandes Lagos” da África: A justiça e os refugiados de
Ruanda perante o genocídio de 1994
César Augusto S. da Silva............................................................................. 179
A paz como estratégia de desenvolvimento chinês: dos “cinco princípios
de coexistência pacífica” ao princípio de “desenvolvimento pacífico”
Marcos Cordeiro Pires; Thais Caroline Lacerda Mattos................................... 201
Súmulas biográficas......................................................................................
O livro está disponível para download em: www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/reflexoes-sobre-a-paz.pdf.
A Unesp acaba de publicar o livro 'Reflexões sobre a Paz", organizado por Rafael Salatini.
O sumário do livro é este:
Apresentação
Rafael Salatini............................................................................................ 5
Parte I:
I Encontro Reflexões sobre a Paz
Irene ri: a paz como ideal na comédia de Aristófanes
Adriane da Silva Duarte.............................................................................. 17
O tema da paz perpétua
Rafael Salatini............................................................................................ 33
A paz reexaminada
Luiz Paulo Rouanet..................................................................................... 51
A proteção internacional das minorias
Soraya Nour ............................................................................................... 69
Precariedade e primitivismo do sistema internacional
Ricardo Seitenfus......................................................................................... 85
As operações de paz como ferramenta para a construção da paz
Sérgio Luiz Cruz Aguilar............................................................................. 101
Parte II
Contribuições para a Reflexão sobre a Paz
A contribuição histórica do direito internacional público para a
consecução da paz
José Blanes Sala........................................................................................... 119
Paz, desenvolvimento e integração: o espaço sul-americano na política
externa de Lula da Silva
Roberto Goulart Menezes............................................................................. 137
África subsaariana: considerações sobre paz, inseguridade e crises
Claudio Oliveira Ribeiro; Natalia N. Fingermann........................................ 159
Guerra e paz na região dos “Grandes Lagos” da África: A justiça e os refugiados de
Ruanda perante o genocídio de 1994
César Augusto S. da Silva............................................................................. 179
A paz como estratégia de desenvolvimento chinês: dos “cinco princípios
de coexistência pacífica” ao princípio de “desenvolvimento pacífico”
Marcos Cordeiro Pires; Thais Caroline Lacerda Mattos................................... 201
Súmulas biográficas......................................................................................
O livro está disponível para download em: www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/reflexoes-sobre-a-paz.pdf.
domingo, 9 de março de 2014
DEMOCRACIA E LIBERDADE DE IMPRENSA
Em 21 de janeiro de 2014, o Prêmio Nobel de Literatura, o peruano Mario Vargas Llosa, escreveu um artigo no jornal espanhol El Pais contestando a concentração da mídia em seu país. Segundo ele: “o fato de haver uma economia de mercado e respeito à propriedade privada não basta para, por si só, garantir a liberdade de imprensa em um país. Esta se vê ameaçada também se um grupo econômico passa a controlar de maneira significativamente majoritária os meios de comunicação escritos ou audiovisuais”.
Cabe lembrar que Vargas Lllosa não é nenhum esquerdista para falar mal da imprensa, logo, aqueles mais reacionários jamais poderão acusá-lo de ofender as liberdades individuais. Quando os governos de Venezuela, Bolívia e Equador criam uma legislação para democratizar a mídia e evitar a concentração, são acusados de ditadores. Quando o governo da Argentina cria uma “Ley de Medios” para quebrar o monopólio do Grupo Clarin, trata-se de uma medida de perseguição política da parte de um governo populista.
Agora, o que podem falar os reacionários quando o governo de direita do México, dirigido por Enrique Peña Nieto, promulga uma lei para desconcentrar a mídia, algo de afeta dois gigantes do mercado: a TELEVISA, maior grupo de televisão da América Latina, e a América Movil, do bilionário Carlos Slims, que aqui no Brasil controla a Claro, a Embratel e a NET. Tal lei surgiu de um pacto entre todos os partidos mexicanos para evitar que o poder midiático corrompa o sistema democrático.
Já no Brasil, o último país que acabou com a escravidão, o único país da região que se tornou um Império depois da independência, o único país da América do Sul a criar uma Comissão da Verdade, um país reacionário por natureza, quando se menciona quebrar o monopólio das organizações Globo o mundo vem abaixo. Não há como pensar em democracia no Brasil sem enfrentar o poder que poucas famílias têm de manipular e distorcer informações. Veja o exemplo da Petrobrás: comparativamente à Chevron, Exxon, Shell e BP, a empresa vai muito bem, obrigado! Mas por que a mídia quer desmoralizar a Petrobrás? Para comprar ações baratas ou para fustigar o governo? Ou ambos?
Cabe lembrar que Vargas Lllosa não é nenhum esquerdista para falar mal da imprensa, logo, aqueles mais reacionários jamais poderão acusá-lo de ofender as liberdades individuais. Quando os governos de Venezuela, Bolívia e Equador criam uma legislação para democratizar a mídia e evitar a concentração, são acusados de ditadores. Quando o governo da Argentina cria uma “Ley de Medios” para quebrar o monopólio do Grupo Clarin, trata-se de uma medida de perseguição política da parte de um governo populista.
Agora, o que podem falar os reacionários quando o governo de direita do México, dirigido por Enrique Peña Nieto, promulga uma lei para desconcentrar a mídia, algo de afeta dois gigantes do mercado: a TELEVISA, maior grupo de televisão da América Latina, e a América Movil, do bilionário Carlos Slims, que aqui no Brasil controla a Claro, a Embratel e a NET. Tal lei surgiu de um pacto entre todos os partidos mexicanos para evitar que o poder midiático corrompa o sistema democrático.
Já no Brasil, o último país que acabou com a escravidão, o único país da região que se tornou um Império depois da independência, o único país da América do Sul a criar uma Comissão da Verdade, um país reacionário por natureza, quando se menciona quebrar o monopólio das organizações Globo o mundo vem abaixo. Não há como pensar em democracia no Brasil sem enfrentar o poder que poucas famílias têm de manipular e distorcer informações. Veja o exemplo da Petrobrás: comparativamente à Chevron, Exxon, Shell e BP, a empresa vai muito bem, obrigado! Mas por que a mídia quer desmoralizar a Petrobrás? Para comprar ações baratas ou para fustigar o governo? Ou ambos?
quarta-feira, 5 de março de 2014
CARTA CAPITAL: Entrevista - Luiz Alberto Moniz Bandeira: A Segunda Guerra Fria
Entrevista - Luiz Alberto Moniz Bandeira
À diferença do conflito original do século XX, desta vez a briga não se alimenta da ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA e da Rússia
por André Barrocal — publicado 05/03/2014 12:28
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AFP PHOTO / VIKTOR Drachev
tropas russas
Membros das tropas russas montam guarda perto do navio da marinha ucraniana no porto da cidade ucraniana de Sevastopol
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O brasileiro que se desligou do mundo e caiu na folia durante o Carnaval tem motivos para um certo déjà vu ao voltar à realidade nesta quarta-feira de Cinzas. Em um lugar de nome esquisito e bem longe do Brasil, Estados Unidos e Rússia travam uma batalha diplomática que corre o risco de descambar para as armas. Aliados a forças locais distintas de um país em ebulição, Moscou e Washington lutam para que o poder caia nas mãos de um governo alinhado. E parece não haver meio termo: ou se está afinado com um lado ou com o outro. A Guerra Fria ressuscitou?
A crise na Ucrânia, aguçada com a queda do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich em 22 de fevereiro, tem muitos dos ingredientes da disputa “capitalistas x comunistas” que rachou o globo após a II Guerra Mundial. No sábado 1°, o parlamento russo autorizou o presidente Vladimir Putin a enviar tropas à Ucrânia para defender instalações militares e cidadãos russos naquele país, cuja parte leste tem forte identidade com Moscou. Na terça-feira 4, Putin chamou de “golpe de Estado” a queda de Yanukovich e admitiu usar a autorização parlamentar. No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, foi à Ucrânia manifestar o apoio de Washington ao governo de transição e acenar com 1 bilhão de dólares de ajuda.
Estes lances encaixam-se no que se poderia chamar de uma “segunda guerra fria”. À diferença do conflito original do século XX, porém, não se alimenta de ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA. O fenômeno foi descrito no livro “A Segunda Guerra Fria”, lançado no ano passado pelo cientista político, historiador e professor aposentado de política exterior do Brasil Luiz Alberto Moniz Bandeira.
Desde os anos 90, diz o livro, os EUA dão importância crescente à Eurásia, região onde está a Ucrânia. Em 1994, o Departamento de Energia norte-americano identificou o Mar Cáspio, próximo da Ucrânia, como uma das maiores fontes de petróleo do globo. Uma baita descoberta para quem não sobrevive sem petróleo importado. E mais ainda porque a principal fonte conhecida, o Golfo Pérsico, é um caldeirão de antiamericanismo islâmico. Dali em diante, diz Moniz Bandeira, a prioridade geopolítica dos EUA consistiu em atrair os governos de países da região do Cáucaso, alguns dos quais pertenciam à ex-URSS. Washington fez isso inclusive mediante o envolvimento militar e uma política de regime change, ou seja, desestabilizando governos eleitos.
Na década passada, houve uma leva de vitoriosas “revoluções coloridas” contra regimes na região do Cáucaso: a Rosa na Georgia (2003), a Lilás no Quirquistão (2005) e a Laranja na Ucrânia (2004/2005). As três, diz Moniz Bandeira, foram incentivadas pelos EUA com um modus operandi batizado de “guerra fria revolucionária”: ONGs defensoras dos valores norte-americanos instigaram as populações locais contra os governos e as estimularam a ir às ruas, tudo descrito pela mídia internacional como revoltas espontâneas e democráticas.
O que acontece agora na Ucrânia, diz Moniz Bandeira, é uma reedição da “Revolução Laranja” de dez anos atrás. O problema – não só no caso da Ucrânia como nas demais revoluções coloridas - é que as turbulências ocorrem muito perto das fronteiras da Rússia. Um país que, sob Putin, superou a crise econômica decorrente do colapso da URSS e voltou a pensar-se como superpotência.
A seguir, o leitor confere os principais trechos da entrevista concedida por e-mail por Moniz Bandeira, que mora na Alemanha.
CartaCapital: Os EUA estão por trás das turbulências na Ucrânia?
Moniz Bandeira: Essa participação na subversão dos regimes na Eurásia é comprovadamente antiga. Na edição de 24 de novembro de 2003, o Wall Street Journal atribuiu o movimento contra o regime na Georgia a operações de um grande número de “organizações não-governamentais (...) apoiadas por fundações americanas e por outras fundações ocidentais”. E não pode haver maior evidência agora do que a participação aberta de dois senadores americanos - John McCain (Partido Republicano) e Christopher Murphy (Partido Democrata) - como líderes nas manifestações em Kiev. O economista Paul Craig Roberts, que foi secretário assistente do Tesouro no governo Reagan (1981-1989), escreveu que "a Ucrânia ou a parte ocidental do país está cheia de ONGs mantidas por Washington cujo objetivo é entregar a Ucrânia às garras da União Europeia, para que os bancos da União Europeia e dos Estados Unidos possam saquear o país como saquearam, por exemplo, a Letônia; e simultaneamente enfraquecer a Rússia, roubando-lhe uma parte tradicional e convertendo esta área em área reservada para bases militares de Estados Unidos-OTAN".
CC: Que interesses norte-americanos o governo deposto da Ucrânia ameaçaria? Que evidências disso o sr. apontaria?
MB: Não se trata de "ameaça". Nenhum país, evidentemente, ameaça os EUA. O problema é que o governo da Ucrânia não atende e não se submete aos interesses econômicos, geopolíticos e estratégicos de Washington. O presidente Viktor Yanukovych recusou-se a aderir à União Europeia e tendia a incorporar-se à União Econômica Eurasiana, cujo tratado o presidente Putin, como um grande estadista, está a negociar com as antigas repúblicas soviéticas. Esse tratado permitirá à Rússia conquistar dimensão estratégica e geopolítica de igual dimensão à da extinta União Soviética e voltar a constituir outro polo de poder internacional. O problema é a rivalidade dos EUA com a Rússia. A questão não é ideológica. É geoestratégica.
CC: Diria que a crise na Ucrânia é um prolongamento da Revolução Laranja?
MB: Claro que é uma nova Revolução Laranja. E não terminou. A Ucrânia está na órbita de gravitação da Rússia. E o governo que substitua o de Yushchenko não terá condições de resistir à sua vis attractiva [força atrativa], principalmente porque os EUA e a União Européia não têm condições de bancar financeiramente os problemas da Ucrânia e ainda por cima pagar a conta do gás que o país recebe da Rússia, com a qual tem enorme débito. Yushchenko era a favor do Ocidente quando assumiu a presidência da Ucrânia, porém, tal como seu antecessor, Leonid Kuchma, que solicitara adesão à OTAN em 2002, teve de mudar sua posição, diante da realidade geopolítica. A queda de Yushchenko seria certa se ele consumasse a adesão à OTAN. A Rússia não vai admitir a integração da Ucrânia na União Europeia. Ela possui uma base naval em Sebastobol e mais um porto em Odessa desde o reinado de Catarina, a Grande (1762 e 1796). A frota russa, baseada na península da Crimeia, controla o Mar Negro e as comunicações de importantes zonas energéticas (de reservas de gás e petróleo) através dos estreitos de Bósforo e Dardanelos com o Mar Mediterrâneo. A Criméia pertenceu à Rússia até 1954, e o povo em Kiev, com a queda de Yushchenko, está a demandar a secessão. A Rússia, decerto, não apoiará, abertamente, o separatismo. Porém, milhares de pessoas já estão nas ruas de Sebastopol a clamar "Rússia, Rússia, Rússia" com a bandeira russa e a gritar "Não nos renderemos a esse fascistas". A Crimeia tem cerca de 2 milhões de habitantes etnicamente russos, que não se submeterão ao governo dos fascistas em Kiev, apoiado pelo Ocidente. Em Simferopol, capital da Crimeia, com cerca de 350 mil habitantes, já estão sendo organizadas milícias para resistir a qualquer força de Kiev.
CC: O sr. parece identificar um padrão de intervenção não-violenta por parte dos EUA no pós-guerra fria. Um padrão a combinar a ação de ONGs e de líderes oposicionistas financiados por Washington com propaganda midiática. Diria que esta combinação está presente hoje na Ucrânia?
MB: Não há nenhum padrão de intervenção não-violenta dos EUA no pós-Guerra Fria. Os EUA intervém militarmente, de forma unilateral ou sob o manto da OTAN, quando podem. Intervieram na Líbia, mas não tiveram condições de fazê-lo na Síria, devido à oposição da Rússia e da China, embora continuem a financiar os rebeldes - na realidade, terroristas de Al Qa'ida e organizações similares. A guerra fria, portanto, continua, em uma etapa histórica superior, como demonstram os acontecimentos na Ucrânia, na Síria e nos demais países do Oriente Médio. Os EUA não deixaram de perceber a Rússia como seu principal adversário. De fato, a Rússia não perdeu, militarmente, nenhuma guerra. O que lá ocorreu foi a implosão de um regime socialista autárquico, inserido em uma economia internacional de mercado capitalista, da qual dependia e não podia desprender-se. Como sucessora jurídica da URSS, a Rússia herdou todo o seu potencial militar: cerca de 1.800 ogivas nucleares estratégicas operacionais e reservas de 2.700 ogivas, contra 1.950 ogivas operacionais e 2.500 ogivas de reserva dos EUA. O poderio militar das duas potências era equivalente. Após a dura crise econômica e política que atravessou nos anos 1990, a Rússia recuperou-se economicamente sob o governo Putin. E outra guerra fria, assim, recomeçou, uma vez que os EUA se empenham em implantar o full spectrum dominance [domínio de espectro total]. Na Ucrânia, um dos teatros onde as ONGs ocidentais impulsaram a cold revolutionary war em 2004-2005, a guerra fria reacendeu em 2013, uma vez que o governo recuou nas negociações para incorporar o país à União Europeia, o que podia abrir as portas para o estacionamento de tropas da OTAN dentro do seu território, conforme os EUA pretendem.
CC: Quais as ONGs vinculadas a Washington que mais se destacam na desestabilização de governos não-alinhados com os EUA?
MB: Essas ONGs, que promovem a política de export of democracy [exportação de democracia], são muito variadas, assumem nomes diferentes, embora os patrocinadores sejam virtualmente os mesmos: National Endowment for Democracy (NED), CIA e entidades civis, entre as quais Freedom House, a USAID [United States Agency for Cooperation International], o Open Society Institute (renomeado Open Society Foundations em 2011) do megainvestidor George Soros. Estas e outras organizações não-governamentais são uma fachada para promover mudança de governo sem que pareça golpe de Estado. Na Ucrânia, operam ONGs financiadas pela União Europeia.
CC: A crise na Ucrânia teria o mesmo peso e a mesma importância sem a cobertura dada pelas mídias locais e pela mídia mundial? Por quê?
MB: A Ucrânia é um país econômica e financeiramente muito debilitado. Seu governo, por diversos fatores e em distintas circunstâncias, cometeu muitos erros. E Washington trata de aproveitar as forças domésticas de oposição para fazer avançar seus interesses econômicos e geoestratégicos, através de ONGs financiadas pela NED, USAID, CIA e outras instituições públicas e privadas. Elas representam a mão invisível Washington nessas crises. Consciente ou inconscientemente, a mídia internacional serve como instrumento de psychological warfare [guerra psicológica], ao repetir e reproduzir como se tudo fossem demonstrações de massas e revoltas espontâneas. Isso vale particularmente para a BBC, a CNN e a Fox News. O fato é que o governo Obama continua a implementar uma estratégia para consolidar o full spectrum dominance estabelecido desde o governo George H. W. Bush. No atual contexto, isto significa que não interessa a Washington que a Ucrânia integre a União Econômica Eurasiana promovida pela Rússia.
CC: É possível para governos de países como a Ucrânia resistir à ofensiva da "guerra fria revolucionária" patrocinada por Washington? Por quê?
MB: Tudo depende das circunstâncias. É difícil prever. Apesar da decadência, os EUA são e serão uma superpotência por muitas décadas, enquanto o dólar for a moeda de reserva internacional. Militarmente, sem dúvida, os EUA nunca seriam derrotados. Mas uma superpotência devedora, cuja dívida pública se iguala ou mesmo supera sua produção de bens e serviços, uma superpotência que depende das importações, inclusive de capitais de outros países, para financiar guerras, sem as quais sua indústria bélica e toda a cadeia produtiva de tecnologia podem quebrar, não poder sustentar indefinidamente um sistema assim. Um dia, certamente, entrará em colapso. Certamente não mais estarei vivo. Mas o Império Americano, como todos os impérios, perecerá.
CC: Que desfecho considera mais provável para a crise na Ucrânia?
MB: Grande parte da oposição na Ucrânia é composta por elementos notoriamente fascistas. Eles são muito bem armados, muito bem organizados militarmente em companhias, patrulham as ruas em grupos de combate de dez pessoas, com capacetes e armas, alguns usando capacetes da divisão SS Galicia [região no Oeste da Ucrânia], que lutou ao lado dos nazistas alemães contra os soviéticos entre 1943 e 1945. Eles pertencem ao partido Svoboda, chefiado por Oleg Tiagnibog, forte especialmente no leste da Galícia, reduto da extrema-direita. Os chamados "ativistas" e "democratas" que fomentaram as demonstrações pro-União Europeia pertencem, em larga medida, a comandos do Svoboda e de outras tendências neonazistas e não escondem suas tendências xenófobas, racistas, anti-semitas e contra a Rússia. E foram com eles que os senadores americanos John McCain e Christopher Murphy se misturaram nas demonstrações contra o governo Yanukovych, democraticamente eleito e derrubado por um golpe, sob os aplausos dos EUA e da União Europeia. É muito provável que tais grupos neonazistas intentem a captura do poder em Kiev. Porém será difícil submeter a Crimeia.
CC: A Rússia jogou tudo o que podia diplomática e politicamente na atual crise na Ucrânia?
MB: A Rússia não jogou todas as suas cartas. O presidente Putin, que se revela o maior estadista da atualidade, sabe muito bem como dispor e lançar as pedras no xadrez da política internacional. Formado na KGB e havendo servido durante muitos anos na Alemanha Oriental, principal teatro do conflito Leste-Oeste, conhece muito bem como funciona a guerra nas sombras. A Ucrânia continuará ainda como cenário da segunda guerra fria e certamente a Rússia não aceitará, passivamente, que se integre na União Europeia. Haverá negociações ou derramamento de sangue. Quem viver verá.
À diferença do conflito original do século XX, desta vez a briga não se alimenta da ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA e da Rússia
por André Barrocal — publicado 05/03/2014 12:28
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AFP PHOTO / VIKTOR Drachev
tropas russas
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O brasileiro que se desligou do mundo e caiu na folia durante o Carnaval tem motivos para um certo déjà vu ao voltar à realidade nesta quarta-feira de Cinzas. Em um lugar de nome esquisito e bem longe do Brasil, Estados Unidos e Rússia travam uma batalha diplomática que corre o risco de descambar para as armas. Aliados a forças locais distintas de um país em ebulição, Moscou e Washington lutam para que o poder caia nas mãos de um governo alinhado. E parece não haver meio termo: ou se está afinado com um lado ou com o outro. A Guerra Fria ressuscitou?
A crise na Ucrânia, aguçada com a queda do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich em 22 de fevereiro, tem muitos dos ingredientes da disputa “capitalistas x comunistas” que rachou o globo após a II Guerra Mundial. No sábado 1°, o parlamento russo autorizou o presidente Vladimir Putin a enviar tropas à Ucrânia para defender instalações militares e cidadãos russos naquele país, cuja parte leste tem forte identidade com Moscou. Na terça-feira 4, Putin chamou de “golpe de Estado” a queda de Yanukovich e admitiu usar a autorização parlamentar. No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, foi à Ucrânia manifestar o apoio de Washington ao governo de transição e acenar com 1 bilhão de dólares de ajuda.
Estes lances encaixam-se no que se poderia chamar de uma “segunda guerra fria”. À diferença do conflito original do século XX, porém, não se alimenta de ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA. O fenômeno foi descrito no livro “A Segunda Guerra Fria”, lançado no ano passado pelo cientista político, historiador e professor aposentado de política exterior do Brasil Luiz Alberto Moniz Bandeira.
Desde os anos 90, diz o livro, os EUA dão importância crescente à Eurásia, região onde está a Ucrânia. Em 1994, o Departamento de Energia norte-americano identificou o Mar Cáspio, próximo da Ucrânia, como uma das maiores fontes de petróleo do globo. Uma baita descoberta para quem não sobrevive sem petróleo importado. E mais ainda porque a principal fonte conhecida, o Golfo Pérsico, é um caldeirão de antiamericanismo islâmico. Dali em diante, diz Moniz Bandeira, a prioridade geopolítica dos EUA consistiu em atrair os governos de países da região do Cáucaso, alguns dos quais pertenciam à ex-URSS. Washington fez isso inclusive mediante o envolvimento militar e uma política de regime change, ou seja, desestabilizando governos eleitos.
Na década passada, houve uma leva de vitoriosas “revoluções coloridas” contra regimes na região do Cáucaso: a Rosa na Georgia (2003), a Lilás no Quirquistão (2005) e a Laranja na Ucrânia (2004/2005). As três, diz Moniz Bandeira, foram incentivadas pelos EUA com um modus operandi batizado de “guerra fria revolucionária”: ONGs defensoras dos valores norte-americanos instigaram as populações locais contra os governos e as estimularam a ir às ruas, tudo descrito pela mídia internacional como revoltas espontâneas e democráticas.
O que acontece agora na Ucrânia, diz Moniz Bandeira, é uma reedição da “Revolução Laranja” de dez anos atrás. O problema – não só no caso da Ucrânia como nas demais revoluções coloridas - é que as turbulências ocorrem muito perto das fronteiras da Rússia. Um país que, sob Putin, superou a crise econômica decorrente do colapso da URSS e voltou a pensar-se como superpotência.
A seguir, o leitor confere os principais trechos da entrevista concedida por e-mail por Moniz Bandeira, que mora na Alemanha.
CartaCapital: Os EUA estão por trás das turbulências na Ucrânia?
Moniz Bandeira: Essa participação na subversão dos regimes na Eurásia é comprovadamente antiga. Na edição de 24 de novembro de 2003, o Wall Street Journal atribuiu o movimento contra o regime na Georgia a operações de um grande número de “organizações não-governamentais (...) apoiadas por fundações americanas e por outras fundações ocidentais”. E não pode haver maior evidência agora do que a participação aberta de dois senadores americanos - John McCain (Partido Republicano) e Christopher Murphy (Partido Democrata) - como líderes nas manifestações em Kiev. O economista Paul Craig Roberts, que foi secretário assistente do Tesouro no governo Reagan (1981-1989), escreveu que "a Ucrânia ou a parte ocidental do país está cheia de ONGs mantidas por Washington cujo objetivo é entregar a Ucrânia às garras da União Europeia, para que os bancos da União Europeia e dos Estados Unidos possam saquear o país como saquearam, por exemplo, a Letônia; e simultaneamente enfraquecer a Rússia, roubando-lhe uma parte tradicional e convertendo esta área em área reservada para bases militares de Estados Unidos-OTAN".
CC: Que interesses norte-americanos o governo deposto da Ucrânia ameaçaria? Que evidências disso o sr. apontaria?
MB: Não se trata de "ameaça". Nenhum país, evidentemente, ameaça os EUA. O problema é que o governo da Ucrânia não atende e não se submete aos interesses econômicos, geopolíticos e estratégicos de Washington. O presidente Viktor Yanukovych recusou-se a aderir à União Europeia e tendia a incorporar-se à União Econômica Eurasiana, cujo tratado o presidente Putin, como um grande estadista, está a negociar com as antigas repúblicas soviéticas. Esse tratado permitirá à Rússia conquistar dimensão estratégica e geopolítica de igual dimensão à da extinta União Soviética e voltar a constituir outro polo de poder internacional. O problema é a rivalidade dos EUA com a Rússia. A questão não é ideológica. É geoestratégica.
CC: Diria que a crise na Ucrânia é um prolongamento da Revolução Laranja?
MB: Claro que é uma nova Revolução Laranja. E não terminou. A Ucrânia está na órbita de gravitação da Rússia. E o governo que substitua o de Yushchenko não terá condições de resistir à sua vis attractiva [força atrativa], principalmente porque os EUA e a União Européia não têm condições de bancar financeiramente os problemas da Ucrânia e ainda por cima pagar a conta do gás que o país recebe da Rússia, com a qual tem enorme débito. Yushchenko era a favor do Ocidente quando assumiu a presidência da Ucrânia, porém, tal como seu antecessor, Leonid Kuchma, que solicitara adesão à OTAN em 2002, teve de mudar sua posição, diante da realidade geopolítica. A queda de Yushchenko seria certa se ele consumasse a adesão à OTAN. A Rússia não vai admitir a integração da Ucrânia na União Europeia. Ela possui uma base naval em Sebastobol e mais um porto em Odessa desde o reinado de Catarina, a Grande (1762 e 1796). A frota russa, baseada na península da Crimeia, controla o Mar Negro e as comunicações de importantes zonas energéticas (de reservas de gás e petróleo) através dos estreitos de Bósforo e Dardanelos com o Mar Mediterrâneo. A Criméia pertenceu à Rússia até 1954, e o povo em Kiev, com a queda de Yushchenko, está a demandar a secessão. A Rússia, decerto, não apoiará, abertamente, o separatismo. Porém, milhares de pessoas já estão nas ruas de Sebastopol a clamar "Rússia, Rússia, Rússia" com a bandeira russa e a gritar "Não nos renderemos a esse fascistas". A Crimeia tem cerca de 2 milhões de habitantes etnicamente russos, que não se submeterão ao governo dos fascistas em Kiev, apoiado pelo Ocidente. Em Simferopol, capital da Crimeia, com cerca de 350 mil habitantes, já estão sendo organizadas milícias para resistir a qualquer força de Kiev.
CC: O sr. parece identificar um padrão de intervenção não-violenta por parte dos EUA no pós-guerra fria. Um padrão a combinar a ação de ONGs e de líderes oposicionistas financiados por Washington com propaganda midiática. Diria que esta combinação está presente hoje na Ucrânia?
MB: Não há nenhum padrão de intervenção não-violenta dos EUA no pós-Guerra Fria. Os EUA intervém militarmente, de forma unilateral ou sob o manto da OTAN, quando podem. Intervieram na Líbia, mas não tiveram condições de fazê-lo na Síria, devido à oposição da Rússia e da China, embora continuem a financiar os rebeldes - na realidade, terroristas de Al Qa'ida e organizações similares. A guerra fria, portanto, continua, em uma etapa histórica superior, como demonstram os acontecimentos na Ucrânia, na Síria e nos demais países do Oriente Médio. Os EUA não deixaram de perceber a Rússia como seu principal adversário. De fato, a Rússia não perdeu, militarmente, nenhuma guerra. O que lá ocorreu foi a implosão de um regime socialista autárquico, inserido em uma economia internacional de mercado capitalista, da qual dependia e não podia desprender-se. Como sucessora jurídica da URSS, a Rússia herdou todo o seu potencial militar: cerca de 1.800 ogivas nucleares estratégicas operacionais e reservas de 2.700 ogivas, contra 1.950 ogivas operacionais e 2.500 ogivas de reserva dos EUA. O poderio militar das duas potências era equivalente. Após a dura crise econômica e política que atravessou nos anos 1990, a Rússia recuperou-se economicamente sob o governo Putin. E outra guerra fria, assim, recomeçou, uma vez que os EUA se empenham em implantar o full spectrum dominance [domínio de espectro total]. Na Ucrânia, um dos teatros onde as ONGs ocidentais impulsaram a cold revolutionary war em 2004-2005, a guerra fria reacendeu em 2013, uma vez que o governo recuou nas negociações para incorporar o país à União Europeia, o que podia abrir as portas para o estacionamento de tropas da OTAN dentro do seu território, conforme os EUA pretendem.
CC: Quais as ONGs vinculadas a Washington que mais se destacam na desestabilização de governos não-alinhados com os EUA?
MB: Essas ONGs, que promovem a política de export of democracy [exportação de democracia], são muito variadas, assumem nomes diferentes, embora os patrocinadores sejam virtualmente os mesmos: National Endowment for Democracy (NED), CIA e entidades civis, entre as quais Freedom House, a USAID [United States Agency for Cooperation International], o Open Society Institute (renomeado Open Society Foundations em 2011) do megainvestidor George Soros. Estas e outras organizações não-governamentais são uma fachada para promover mudança de governo sem que pareça golpe de Estado. Na Ucrânia, operam ONGs financiadas pela União Europeia.
CC: A crise na Ucrânia teria o mesmo peso e a mesma importância sem a cobertura dada pelas mídias locais e pela mídia mundial? Por quê?
MB: A Ucrânia é um país econômica e financeiramente muito debilitado. Seu governo, por diversos fatores e em distintas circunstâncias, cometeu muitos erros. E Washington trata de aproveitar as forças domésticas de oposição para fazer avançar seus interesses econômicos e geoestratégicos, através de ONGs financiadas pela NED, USAID, CIA e outras instituições públicas e privadas. Elas representam a mão invisível Washington nessas crises. Consciente ou inconscientemente, a mídia internacional serve como instrumento de psychological warfare [guerra psicológica], ao repetir e reproduzir como se tudo fossem demonstrações de massas e revoltas espontâneas. Isso vale particularmente para a BBC, a CNN e a Fox News. O fato é que o governo Obama continua a implementar uma estratégia para consolidar o full spectrum dominance estabelecido desde o governo George H. W. Bush. No atual contexto, isto significa que não interessa a Washington que a Ucrânia integre a União Econômica Eurasiana promovida pela Rússia.
CC: É possível para governos de países como a Ucrânia resistir à ofensiva da "guerra fria revolucionária" patrocinada por Washington? Por quê?
MB: Tudo depende das circunstâncias. É difícil prever. Apesar da decadência, os EUA são e serão uma superpotência por muitas décadas, enquanto o dólar for a moeda de reserva internacional. Militarmente, sem dúvida, os EUA nunca seriam derrotados. Mas uma superpotência devedora, cuja dívida pública se iguala ou mesmo supera sua produção de bens e serviços, uma superpotência que depende das importações, inclusive de capitais de outros países, para financiar guerras, sem as quais sua indústria bélica e toda a cadeia produtiva de tecnologia podem quebrar, não poder sustentar indefinidamente um sistema assim. Um dia, certamente, entrará em colapso. Certamente não mais estarei vivo. Mas o Império Americano, como todos os impérios, perecerá.
CC: Que desfecho considera mais provável para a crise na Ucrânia?
MB: Grande parte da oposição na Ucrânia é composta por elementos notoriamente fascistas. Eles são muito bem armados, muito bem organizados militarmente em companhias, patrulham as ruas em grupos de combate de dez pessoas, com capacetes e armas, alguns usando capacetes da divisão SS Galicia [região no Oeste da Ucrânia], que lutou ao lado dos nazistas alemães contra os soviéticos entre 1943 e 1945. Eles pertencem ao partido Svoboda, chefiado por Oleg Tiagnibog, forte especialmente no leste da Galícia, reduto da extrema-direita. Os chamados "ativistas" e "democratas" que fomentaram as demonstrações pro-União Europeia pertencem, em larga medida, a comandos do Svoboda e de outras tendências neonazistas e não escondem suas tendências xenófobas, racistas, anti-semitas e contra a Rússia. E foram com eles que os senadores americanos John McCain e Christopher Murphy se misturaram nas demonstrações contra o governo Yanukovych, democraticamente eleito e derrubado por um golpe, sob os aplausos dos EUA e da União Europeia. É muito provável que tais grupos neonazistas intentem a captura do poder em Kiev. Porém será difícil submeter a Crimeia.
CC: A Rússia jogou tudo o que podia diplomática e politicamente na atual crise na Ucrânia?
MB: A Rússia não jogou todas as suas cartas. O presidente Putin, que se revela o maior estadista da atualidade, sabe muito bem como dispor e lançar as pedras no xadrez da política internacional. Formado na KGB e havendo servido durante muitos anos na Alemanha Oriental, principal teatro do conflito Leste-Oeste, conhece muito bem como funciona a guerra nas sombras. A Ucrânia continuará ainda como cenário da segunda guerra fria e certamente a Rússia não aceitará, passivamente, que se integre na União Europeia. Haverá negociações ou derramamento de sangue. Quem viver verá.
segunda-feira, 3 de março de 2014
NUVENS CARREGADAS NA POLÍTICA MUNDIAL
O clima em 2014 começou carregado. No momento em que se lembra dos 100 anos do início da I Guerra Mundial, diversos focos de conflitos, reais e potenciais, ressurgem no mapa político mundial.
Mencionar os conflitos no Oriente Médio parece trivial: desde 1947, não houve um só ano de paz naquela região, mas os efeitos da Guerra Civil na Síria e o seu possível transbordamento para o Líbano e Israel tende a piorar o que já é ruim. Nesta semana, caças da aviação israelense atingiram alvos do Hezbollah no sul do Líbano. O mesmo Hezbollah atua na Síria em apoio ao presidente Bashar Al Assad , obtendo vitórias sobre a guerrilha sunita. O país dos cedros será o próximo a entrar numa guerra civil?
Também vemos o aumento da disputa retórica entre China e Japão. As constantes visitas de líderes japoneses ao Santuário Yasukuni, onde estão enterrados antigos oficiais japoneses condenados por crimes de guerra, são vistas como provocação da direita japonesa. Tais visitas irritam não apenas os chineses, mas também coreanos, filipinos, malaios e singapurenses, povos que sofreram com a opressão do Império Japonês durante a II Guerra Mundial. A tensão aumenta ainda mais diante da insistência com que os líderes japoneses buscam alterar a constituição imposta pelos Estados Unidos para iniciar o rearmamento do país.
A mais recente crise surge na Ucrânia. A vitória dos grupos opositores sobre o presidente Viktor Yanukovich pode levar o país à guerra civil. O país possui dois grupos étnicos bem definidos: os russófonos, minoria que se concentra na parte oriental do país, e os ucranianos étnicos, que ocupam a parte ocidental. Os primeiros, que apoiavam o presidente deposto, cogitam organizar movimentos de independência das províncias orientais, principalmente na Criméia, onde existe uma grande base naval russa. Os segundos buscam uma maior aproximação com a União Europeia para tentar contrabalançar a influência da Rússia no país.
Enquanto se organiza um movimento separatista na Criméia, tropas russas fazem exercícios militares na fronteira, o que criar preocupações sobre uma possível intervenção russa na Ucrânia. E se isso ocorrer, como reagirão a União Europeia e os Estados Unidos? Esperamos que os ventos da razão afastem as nuvens da guerra.
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