Disponível em: http://www.unesp.br/portal#!/noticia/16439/sobre-democracia-liberdade-e-tolerancia-/
Ainda não assentou a poeira dos eventos que sacudiram Paris na semana passada. Novos atos de intolerância e violência têm eclodido e preocupado a opinião pública mundial, notadamente aqueles relacionados com o aumento da islamofobia e a reação de grupos políticos mais radicalizados, que enxergam na ação direta uma resposta aos seus ressentimentos.
Do que podemos assistir até agora, a maior consequência do assassinato de jornalistas e cartunistas do jornal Charlie Hebdo foi a vitória da intolerância. Intolerância, de um lado, daqueles que tentam dessacralizar a fé e a cultura alheias como se isso se justificasse pelo simples fato de ter o suposto direito para agir assim. De outro, uma resposta violenta e injustificável de ajustar as contas por meio do assassínio, puro e simples. O diálogo e o respeito ao outro, bases da democracia, se esvaíram.
É interessante notar que a reação violenta da insurgência islâmica está oferecendo uma ótima oportunidade aos grupos de extrema direita para justificar sua pauta xenófoba, assim como o ataque à Torres Gêmeas, em 2001, deu argumentos para os setores mais reacionários da sociedade norte-americana na sua “guerra contra o terror”. Desde então, assistiu-se aos maiores ataques à liberdade individual na história dos Estados Unidos (e do mundo), além de abrir caminho para os conhecidos casos de tortura de “terroristas”, a prisão sem julgamento em Guantánamo e a invasão de países como o Afeganistão e o Iraque. Em nome da segurança, rasgou-se as leis e os preceitos mais caros à democracia. O fascista religioso e o fascista político são faces da mesma moeda.
Caberia indagar sobre como reagiria a sociedade brasileira diante da motivação original da escalada de violência. Como seria vista uma caricatura que colocasse a Virgem Maria numa posição sensual? Ou um Rabino surrupiando algum bem numa loja de luxo? Um Pastor ensinado a outro como ludibriar um devoto para aumentar o estoque de dízimo? Ou ainda, a reprodução da própria imagem do Cristo nu e prostrado de joelhos?
Tais perguntas não são sem propósito. Diversos colunistas brasileiros vêm defendendo o direito irrestrito do Charlie Hebdo de insultar a fé muçulmana. Mas se isso ocorresse no Brasil, o autor da ofensa religiosa poderia ser enquadrado no artigo 208 do Código Penal. Até agora, nenhum desses colonistas defendeu que tal artigo seja extirpado de nosso ordenamento legal. Afinal, o Estado de Direito não é o primado da lei?
Vale repetir um dos fundamentos da democracia: ela não é a ditadura da maioria, mas o espaço onde a minoria possa sobreviver sem assédios. O respeito continua sendo um dos pilares centrais dessa premissa, assim como o direito a vida e a solução negociada de conflitos.
A propósito, o autor destas linhas é ateu e respeita as opiniões dos outros.
Marcos Cordeiro Pires é coordenador do Curso de Especialização em Negociações Econômicas e Operações Internacionais da Unesp e professor da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília.
Este artigo foi publicado originalmente no Estadão Noite de 16 de janeiro de 2015.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2015
sábado, 13 de setembro de 2014
REVISTA CARTA NA ESCOLA: A alforria dos emergentes O banco do BRICS possibilita a fuga dos países em desenvolvimento das duras condições impostas pela governança global
Por Marcos Cordeiro Pires
Fonte: http://www.cartanaescola.com.br/single/show/420
O conceito BRICS nasceu em 2003 já com um viés marqueteiro, posto que foi criado pelo economista-chefe do banco Goldman Sachs, Jim O’Neill, para atrair investidores para os papéis das nações com potencial para suplantar a economia dos países desenvolvidos até 2050. São os chamados “países BRIC”, acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China. À época, não se mencionava a África do Sul, cujo “S” de South Africa, apenas entraria no grupo em 2011, na cúpula da China.
O insight de O’Niell rendeu frutos. Em 2009, na cidade russa de Ecaterimburgo, os chefes de Estado de Brasil (Lula), Rússia (Dmitri Medvedev), Índia (Manmohan Singh) e China (Hu Jintao) formalizaram a criação de uma organização informal denominada BRIC. O objetivo principal do grupo é o de coordenar as ações dos países em desenvolvimento que estavam subrepresentados em diversos foros de governança global, como o FMI, Banco Mundial, Conselho de Segurança da ONU e Organização Mundial do Comércio (OMC).
Tal articulação de perfil Sul-Sul já havia obtido sucesso em bloquear novas rodadas de abertura na OMC, em Doha, porque não havia a contrapartida dos países desenvolvidos em liberar o mercado agrícola. Ademais, em foros como o Painel da ONU sobre Mudança Climática, Brasil, Índia e China haviam se articulado para que os custos do combate ao “aquecimento global” não recaíssem sobre os países em desenvolvimento, uma vez que os industrializados poluíam o mundo há pelo menos 200 anos. Do ponto de vista financeiro, os países BRICS também pleitearam a democratização do FMI e do Banco Mundial nas cúpulas do G-20, recorrente desde 2009. Aí está o foco de atuação dos BRICS: democratizar as instituições multilaterais controladas pelos países desenvolvidos, situação que reflete o status quo do final da Segunda Guerra Mundial.
O processo de globalização reorganizou espacialmente a economia mundial, incorporando aos processos produtivos parte expressiva dos países em desenvolvimento, principalmente a China. Esta, durante a década de 2000, tornou-se a principal potência industrial do mundo, além de ser o maior ator no comércio internacional e ainda suplantar o Japão como segunda maior economia.
Por outro lado, o fim da Guerra Fria fez com que novos países integrassem a economia mundial sob a hegemonia dos EUA, como foram os casos de Rússia (ex-URSS) e Índia, que adotavam uma estratégia própria de desenvolvimento fora do circuito capitalista internacional. O Brasil, a partir de 1990, também se viu forçado a ingressar na globalização ao abrir seu mercado de bens e de capitais, tornando-se um espaço a mais para a valorização do capital. De forma similar, quando a África do Sul superava o apartheid, em 1994, os dirigentes do Congresso Nacional Africano (CNA) se viram compelidos a adotar o modelo econômico neoliberal para garantir estabilidade internacional para o governo da maioria negra. Em síntese, no período de 1980 a 2000, foi incorporado ao mercado mundial um contingente de quase 3 bilhões de pessoas, grande parte delas dos países BRICS.
A entrada desses atores na economia internacional está contribuindo para a modificação da geopolítica e da economia do mundo. Em 1960, os países ricos detinham 75% do PIB mundial. Em 2010, haviam caído para 55% e, em 2017, projeta-se que os países em desenvolvimento atinjam mais da metade do produto e do comércio mundiais. Apenas a China possui atualmente em torno de 3,6 trilhões de dólares em reservas internacionais, das quais 1 trilhão de dólares, aproximadamente, em títulos da dívida dos Estados Unidos. Mesmo o Brasil, que outrora foi devedor do FMI, é um dos principais detentores de títulos do Tesouro dos Estados Unidos, fato que merece destaque.
Por causa desse peso econômico ascendente, e apesar das enormes diferenças que caracterizam os BRICS, os governantes dos países se organizam para reformar os órgãos de governança global, cuja divisão de poderes está desbalanceada, não refletindo a nova configuração política do mundo e desconsiderando as transformações estruturais que vêm ocorrendo na cena internacional.
De forma geral, durante as cinco primeiras cúpulas dos BRICS, nos comunicados emitidos entre 2009 e 2013, nota-se a preocupação com a recuperação da economia mundial, o pleito de democratização das Instituições Financeiras (FMI e Banco Mundial), a defesa da autodeterminação dos Estados e não interferência em assuntos internos dos países e ainda na cooperação entre os membros do Grupo e outros países em desenvolvimento. Apesar do teor genérico, os países BRICS têm mostrado unidade em relação a temas controversos na agenda internacional, como a condenação dos ataques da Otan à Líbia ou ainda a uma possível intervenção militar estrangeira no conflito sírio. Especificamente no comunicado de e-Thekwini (Durban, África do Sul), em março de 2013, dois aspectos chamaram atenção: a) A perspectiva de institucionalização dos BRICS, no sentido de dar organicidade à ação. b) A possibilidade de criação de um banco de fomento conjunto para auxiliar o desenvolvimento dos países membros e também de outros em desenvolvimento (BRICS, 2013). De forma prática, destaca-se o fato de que os BRICS conseguiram articular os países em desenvolvimento para eleger o brasileiro Roberto Azevedo como diretor-geral da OMC, contra a candidatura mexicana apoiada pelas nações desenvolvidas.
Na cúpula dos BRICS, realizada no Brasil em julho de 2014, os líderes do grupo começaram a materializar as intenções anunciadas anteriormente. Exemplo disso foi a oficialização da criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), para apoiar projetos dos países do bloco e outras nações em desenvolvimento e a criação de um Fundo de Contingência para auxiliar os BRICS em crise de balanço de pagamentos. Tais medidas foram uma resposta à letargia dos países ricos em implementar a decisão da cúpula do G-20 de Seul 2010, que já havia determinado a redivisão das cotas do FMI, e também à incapacidade e/ou desinteresse do Banco Mundial em patrocinar projetos de infraestrutura nos países em desenvolvimento.
O capital inicial do NBD será de 50 bilhões de dólares, para os quais cada país aportará 10 bilhões de dólares. Ficou definido que a sede do banco será em Xangai e que o primeiro presidente será um indiano. A direção do BND será rotativa, com mandato de cinco anos para cada país. Já o Fundo de Contingência contará com o montante de 100 bilhões de dólares. A China aportará 41 bilhões de dólares, África do Sul, 5 bilhões de dólares, e os 54 bilhões de dólares restantes serão aportados em cotas iguais por Brasil, Rússia e Índia.
Comparando os volumes em questão com aqueles concentrados pelo FMI e pelo Banco Mundial, as duas instituições parecem ser modestas. Não é correto afirmar que as ações dos BRICS vão ofuscar ou substituir as atuais instituições multilaterais. No entanto, o significado é extremamente impactante, já que se abre uma janela de oportunidades para os países em desenvolvimento criarem mecanismos de cooperação para fugir das duras condicionalidades impostas pelas Instituições de Bretton Woods. Países como o Brasil e outros da América Latina sabem o quanto tiveram seu processo de crescimento bloqueado pelas políticas restritivas impostas pelo chamado Consenso de Washington. Na Europa, hoje em dia, as nações em crise apresentam níveis insuportáveis de desemprego, por causa de ações similares da tríade Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI.
Ainda é cedo para afirmar que os países BRICS terão coesão política para levar adiante reformas profundas nas organizações internacionais. No entanto, as medidas recém-anunciadas representam um divisor de águas nas relações internacionais. Basta lembrar que há apenas 70 anos a Índia era colônia britânica e a China era uma semicolônia do Ocidente. O Brasil era um dos países mais atrasados da América do Sul e a África do Sul, dominada por minorias brancas. Só a Rússia desceu de status, mas está novamente se reafirmando como grande potência. O século XXI abre-se como espaço para grandes mudanças e esperamos que sejam para o bem das populações dos países em desenvolvimento.
Publicado na edição 90, de setembro de 2014
Fonte: http://www.cartanaescola.com.br/single/show/420
O conceito BRICS nasceu em 2003 já com um viés marqueteiro, posto que foi criado pelo economista-chefe do banco Goldman Sachs, Jim O’Neill, para atrair investidores para os papéis das nações com potencial para suplantar a economia dos países desenvolvidos até 2050. São os chamados “países BRIC”, acrônimo de Brasil, Rússia, Índia e China. À época, não se mencionava a África do Sul, cujo “S” de South Africa, apenas entraria no grupo em 2011, na cúpula da China.
O insight de O’Niell rendeu frutos. Em 2009, na cidade russa de Ecaterimburgo, os chefes de Estado de Brasil (Lula), Rússia (Dmitri Medvedev), Índia (Manmohan Singh) e China (Hu Jintao) formalizaram a criação de uma organização informal denominada BRIC. O objetivo principal do grupo é o de coordenar as ações dos países em desenvolvimento que estavam subrepresentados em diversos foros de governança global, como o FMI, Banco Mundial, Conselho de Segurança da ONU e Organização Mundial do Comércio (OMC).
Tal articulação de perfil Sul-Sul já havia obtido sucesso em bloquear novas rodadas de abertura na OMC, em Doha, porque não havia a contrapartida dos países desenvolvidos em liberar o mercado agrícola. Ademais, em foros como o Painel da ONU sobre Mudança Climática, Brasil, Índia e China haviam se articulado para que os custos do combate ao “aquecimento global” não recaíssem sobre os países em desenvolvimento, uma vez que os industrializados poluíam o mundo há pelo menos 200 anos. Do ponto de vista financeiro, os países BRICS também pleitearam a democratização do FMI e do Banco Mundial nas cúpulas do G-20, recorrente desde 2009. Aí está o foco de atuação dos BRICS: democratizar as instituições multilaterais controladas pelos países desenvolvidos, situação que reflete o status quo do final da Segunda Guerra Mundial.
O processo de globalização reorganizou espacialmente a economia mundial, incorporando aos processos produtivos parte expressiva dos países em desenvolvimento, principalmente a China. Esta, durante a década de 2000, tornou-se a principal potência industrial do mundo, além de ser o maior ator no comércio internacional e ainda suplantar o Japão como segunda maior economia.
Por outro lado, o fim da Guerra Fria fez com que novos países integrassem a economia mundial sob a hegemonia dos EUA, como foram os casos de Rússia (ex-URSS) e Índia, que adotavam uma estratégia própria de desenvolvimento fora do circuito capitalista internacional. O Brasil, a partir de 1990, também se viu forçado a ingressar na globalização ao abrir seu mercado de bens e de capitais, tornando-se um espaço a mais para a valorização do capital. De forma similar, quando a África do Sul superava o apartheid, em 1994, os dirigentes do Congresso Nacional Africano (CNA) se viram compelidos a adotar o modelo econômico neoliberal para garantir estabilidade internacional para o governo da maioria negra. Em síntese, no período de 1980 a 2000, foi incorporado ao mercado mundial um contingente de quase 3 bilhões de pessoas, grande parte delas dos países BRICS.
A entrada desses atores na economia internacional está contribuindo para a modificação da geopolítica e da economia do mundo. Em 1960, os países ricos detinham 75% do PIB mundial. Em 2010, haviam caído para 55% e, em 2017, projeta-se que os países em desenvolvimento atinjam mais da metade do produto e do comércio mundiais. Apenas a China possui atualmente em torno de 3,6 trilhões de dólares em reservas internacionais, das quais 1 trilhão de dólares, aproximadamente, em títulos da dívida dos Estados Unidos. Mesmo o Brasil, que outrora foi devedor do FMI, é um dos principais detentores de títulos do Tesouro dos Estados Unidos, fato que merece destaque.
Por causa desse peso econômico ascendente, e apesar das enormes diferenças que caracterizam os BRICS, os governantes dos países se organizam para reformar os órgãos de governança global, cuja divisão de poderes está desbalanceada, não refletindo a nova configuração política do mundo e desconsiderando as transformações estruturais que vêm ocorrendo na cena internacional.
De forma geral, durante as cinco primeiras cúpulas dos BRICS, nos comunicados emitidos entre 2009 e 2013, nota-se a preocupação com a recuperação da economia mundial, o pleito de democratização das Instituições Financeiras (FMI e Banco Mundial), a defesa da autodeterminação dos Estados e não interferência em assuntos internos dos países e ainda na cooperação entre os membros do Grupo e outros países em desenvolvimento. Apesar do teor genérico, os países BRICS têm mostrado unidade em relação a temas controversos na agenda internacional, como a condenação dos ataques da Otan à Líbia ou ainda a uma possível intervenção militar estrangeira no conflito sírio. Especificamente no comunicado de e-Thekwini (Durban, África do Sul), em março de 2013, dois aspectos chamaram atenção: a) A perspectiva de institucionalização dos BRICS, no sentido de dar organicidade à ação. b) A possibilidade de criação de um banco de fomento conjunto para auxiliar o desenvolvimento dos países membros e também de outros em desenvolvimento (BRICS, 2013). De forma prática, destaca-se o fato de que os BRICS conseguiram articular os países em desenvolvimento para eleger o brasileiro Roberto Azevedo como diretor-geral da OMC, contra a candidatura mexicana apoiada pelas nações desenvolvidas.
Na cúpula dos BRICS, realizada no Brasil em julho de 2014, os líderes do grupo começaram a materializar as intenções anunciadas anteriormente. Exemplo disso foi a oficialização da criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), para apoiar projetos dos países do bloco e outras nações em desenvolvimento e a criação de um Fundo de Contingência para auxiliar os BRICS em crise de balanço de pagamentos. Tais medidas foram uma resposta à letargia dos países ricos em implementar a decisão da cúpula do G-20 de Seul 2010, que já havia determinado a redivisão das cotas do FMI, e também à incapacidade e/ou desinteresse do Banco Mundial em patrocinar projetos de infraestrutura nos países em desenvolvimento.
O capital inicial do NBD será de 50 bilhões de dólares, para os quais cada país aportará 10 bilhões de dólares. Ficou definido que a sede do banco será em Xangai e que o primeiro presidente será um indiano. A direção do BND será rotativa, com mandato de cinco anos para cada país. Já o Fundo de Contingência contará com o montante de 100 bilhões de dólares. A China aportará 41 bilhões de dólares, África do Sul, 5 bilhões de dólares, e os 54 bilhões de dólares restantes serão aportados em cotas iguais por Brasil, Rússia e Índia.
Comparando os volumes em questão com aqueles concentrados pelo FMI e pelo Banco Mundial, as duas instituições parecem ser modestas. Não é correto afirmar que as ações dos BRICS vão ofuscar ou substituir as atuais instituições multilaterais. No entanto, o significado é extremamente impactante, já que se abre uma janela de oportunidades para os países em desenvolvimento criarem mecanismos de cooperação para fugir das duras condicionalidades impostas pelas Instituições de Bretton Woods. Países como o Brasil e outros da América Latina sabem o quanto tiveram seu processo de crescimento bloqueado pelas políticas restritivas impostas pelo chamado Consenso de Washington. Na Europa, hoje em dia, as nações em crise apresentam níveis insuportáveis de desemprego, por causa de ações similares da tríade Banco Central Europeu, Comissão Europeia e FMI.
Ainda é cedo para afirmar que os países BRICS terão coesão política para levar adiante reformas profundas nas organizações internacionais. No entanto, as medidas recém-anunciadas representam um divisor de águas nas relações internacionais. Basta lembrar que há apenas 70 anos a Índia era colônia britânica e a China era uma semicolônia do Ocidente. O Brasil era um dos países mais atrasados da América do Sul e a África do Sul, dominada por minorias brancas. Só a Rússia desceu de status, mas está novamente se reafirmando como grande potência. O século XXI abre-se como espaço para grandes mudanças e esperamos que sejam para o bem das populações dos países em desenvolvimento.
Publicado na edição 90, de setembro de 2014
terça-feira, 9 de setembro de 2014
CENTENÁRIO DE UM GRANDE BRASILEIRO: RÔMULO ALMEIDA
Rômulo Almeida, o projetista de utopias
O baiano, que foi braço direito de Getúlio Vargas, chefiou um conjunto de projetos e instituições para promover o desenvolvimento nacional
por Alexandre de Freitas Barbosa* — publicado 04/09/2014 06:24
O brasileiro é craque em efemérides. Cinqüenta anos do golpe militar, sessenta anos do suicídio de Getúlio Vargas e cem anos do nascimento de Dorival Caymmi. Outro baiano, menos celebrado, completa seu centenário de nascimento em 2014. Mas quem foi Rômulo Almeida?
Não pretendo listar aqui suas conquistas e derrotas, transformá-lo em herói ou mártir. Tampouco fazer discursos eloquentes, ressalvando seu espírito abnegado e a herança que deixou ao país, a qual deveria nos encher de brio e de orgulho. Rômulo repudiaria esse tom bacharelesco. Uma sóbria saudação ressaltando a sua práxis, sempre associada a uma visão sistêmica acerca das potencialidades do Brasil, seria mais de seu agrado.
Braço direito de Vargas, no seu segundo governo, Rômulo elabora junto com os demais membros da Assessoria Econômica por ele chefiada, um conjunto de projetos e instituições que sobrevivem até os dias de hoje. Sua concepção originária nem tanto. Queria uma infraestrutura econômica que pudesse embasar a expansão do mercado interno, ampliando os polos de crescimento e as perspectivas de inserção social. O papel do Estado, por meio do planejamento democrático, fazia-se estratégico para um desenvolvimento nacional capaz de enfrentar o “pauperismo”, como dizia o então jovem positivista herdeiro de Euclides da Cunha e Alberto Torres.
Responsável pelo projeto que deu origem à Petrobras, lamentava-se do oportunismo da direita udenista que, ao transformar o monopólio virtual em real, teria reduzido a flexibilidade e eficiência da empresa estatal. No setor de energia elétrica, acossado por crises e racionamento nos anos 1950, elaborou, com o apoio de Jesus Soares Pereira e de Ignácio Rangel, um plano de quatro etapas, que permitiria a regulação e planejamento do setor, com papel ativo da Eletrobrás, criada apenas em 1962, e assegurando a presença do setor privado, desde que o mesmo aceitasse expandir o seu nível de investimentos.
Criador e presidente do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), esboçou o “Plano Federal para o Nordeste”, o primeiro estudo a encarar a região por meio de uma solução não exclusivamente hidráulica, mais adiante expandido de maneira exemplar por Celso Furtado na SUDENE. Na concepção de Rômulo, o BNB seria um banco de financiamento de projetos multiplicadores do desenvolvimento. Acreditava que o Nordeste poderia (e deveria) competir no espaço nacional, o que exigia a implantação das indústrias de base e a expansão de uma agricultura agregadora de valor.
Ainda no âmbito do segundo Governo Vargas, participou da Comissão de Bem-Estar Social, presidindo a Sub-Comissão de Habitação e Favelas. Seu objetivo era integrar o acesso à habitação popular com o desenvolvimento da indústria nacional de construção e o financiamento em larga escala, o que seria impossível, no seu entender, sem o enfrentamento da especulação imobiliária.
Elegeu-se deputado federal pelo PTB – partido que disputava o apoio da classe trabalhadora junto com o PCB - em 1954. Na segunda metade dos anos 1950, replicou a experiência do segundo Governo Vargas, como secretário da Fazenda da Bahia, naquela que seria a primeira iniciativa de planejamento integral ao nível estadual. Já em 1959, apontava para as perspectivas da indústria petroquímica na Bahia. Convenceu o governador Luis Viana Filho do potencial transformador desta indústria, tendo depois entregue o projeto por ele elaborado para Antônio Carlos Magalhães, seu arqui-inimigo. Negociou nos bastidores do poder militar a sua implantação na Bahia, por mais que soubesse que o mesmo jamais seria implantado na sua inteireza.
Sempre se colocou contra o regionalismo exacerbado, tendo voltado para a Bahia – Osvaldo Aranha comentava que Rômulo teria sido “o primeiro a pegar o ita de volta” -, ao perceber que o desenvolvimento, tal como avançara no país, poderia gerar uma nação dual. Durante a gestão de JK, quando se acreditava que “o Brasil poderia dar certo”, Rômulo já punha o dedo na ferida. Ressentia-se do Estado cartorial e da estrutura política pré-ideológica e antiprogramática. Ideologia e planejamento caminhavam juntos para este técnico que fazia política, não por apreço, mas por dever.
Do Brasil para a Bahia e depois da Bahia para o mundo. Rômulo, desde meados dos anos 1940, participaria de várias negociações internacionais, inclusive daquela que daria origem ao GATT, de 1947, precursor da OMC. Jânio Quadros o nomearia, em 1961, Secretário-Executivo da ALALC, entidade antecessora do Mercosul cobrindo um grupo maior de países. Depois seria indicado, no governo João Goulart, para o Comitê dos Nove Especialistas da OEA, órgão consultivo que subsidiava a aprovação de projetos de financiamento aos países latino-americanos no âmbito da Aliança para o Progresso. Renuncia ao cargo, em 1966, em repúdio à posição cada vez mais unilateral dos Estados Unidos.
O golpe de 1964 poupa Rômulo que se encontrava no exterior. Quando retorna, monta em Salvador, o seu escritório de projetos para o setor público, pois como dizia “recusava a privatizar-se”. Cobrava pouco pelos projetos que acreditava. Via-os como uma espécie de investimento do seu capital humano. Dedicava-se a iniciativas educacionais, culturais, de planejamento urbano, além das tipicamente econômicas.
No auge do “milagre”, Rômulo – um dos últimos desenvolvimentistas da sua geração atuando no Brasil, pois muitos haviam sido forçados ao exílio - dispara a artilharia contra o governo, o mesmo que a ele, por vezes, recorria em busca de conselhos técnicos. Filia-se ao MDB e volta ao governo na gestão José Sarney, como diretor da área industrial do BNDES, oura instituição por ele parida, junto com a Petrobras, CAPES, BNB, dentre tantas outras.
Um projetista de utopias, defensor do planejamento, da democracia e do progresso técnico como forma de assegurar o desenvolvimento com inclusão social. Mais que economista, um servidor público dotado de concepções políticas inegociáveis, com conhecimento técnico construído por meio da observação da realidade e da prática nas agências estatais. Talvez por isso mesmo, era tido em alta conta por todos os presidentes do Brasil de 1950 a 1964 e inclusive por segmentos influentes da burocracia durante a ditadura militar.
Um pequeno exemplo ilustra o compromisso desse burocrata no melhor sentido da palavra, inserido num contexto intelectual e político muito peculiar e compondo uma geração que não tinha vergonha de se autointitular nacionalista. Em 11 de fevereiro de 1951, nosso economista é convocado para redigir a mensagem para o Congresso do presidente recém-eleito. O prazo é exíguo: 15 de março. Ele comanda então uma legião de cinqüenta servidores públicos que elaboram o primeiro esboço de projeto nacional do país.
Hoje, com tantos recursos tecnológicos, toda a riqueza de dados oficiais e de estudos acadêmicos que transformam qualquer coisa em números, nossos candidatos parecem incapazes de fazer um inventário dos recursos da nação e de projetar uma utopia para além dos tripés econômicos e das fórmulas de marketing político.
Para quem anda em busca de um “novo desenvolvimentismo”, vale à pena conhecer a nossa história e os que ficaram no meio do caminho. A semente apenas germina em solo que foi arado previamente.
*Professor de História Econômica e Economia Brasileira do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP).
Agora minha contribuição para reafirmar o caráter de Rômulo Almeida.
Para que se possa ter uma idéia do clima de indignação que se estabeleceu após a morte de Vargas, assim como da guinada nos rumos da política econômica, achamos por bem reproduzir o diálogo havido entre o presidente Café Filho e Rômulo de Almeida, graduado economista, integrante da Assessoria Econômica da Presidência durante o governo Vargas, e nomeado presidente do Banco do Nordeste. A conversa foi narrada por Jesus Soares Pereira, também técnico daquela Assessoria:
“O Dr. Café Filho recebeu-nos de pé, no ambiente que começava a se formar no Catete por ocasião das primeiras recepções do novo chefe do governo. Para nós a situação era algo constrangedora, pois não participávamos da euforia que envolvia a maior parte das pessoas presentes. Estávamos ali em missão nada agradável.
Coube ao presidente iniciar o diálogo ao perguntar ao Dr. Rômulo como ia o Banco do Nordeste. ‘Bem, e praticamente em condições de operar’. Depois de ouvir esta resposta o Dr. Café Filho indagou: ‘Quais suas disposições em face dos acontecimentos?’ O Dr. Rômulo limitou-se a declarar que já havia passado o cargo de presidente do Banco do Nordeste a seu substituto legal, considerando-se, assim, demitido.
Aparentando discordar da decisão, o Dr. Café Filho, como se apanhado de surpresa, indagou:
- Mas por quê?
- Porque – esclareceu sério o Dr. Rômulo de Almeida – exercia a função como pessoa de confiança do presidente Getúlio Vargas. Sendo assim não me sinto bem em continuar no cargo.
Não dando por encerrado o diálogo, o Dr. Café Filho, que se mostrava muito bem humorado, quis saber o que o Dr. Rômulo pretendia fazer. E este, como se estivesse desejoso de encerrar a conversa, respondeu com firmeza e sem rodeios:
- Daqui por diante dedicarei todos os meus esforços a combater politicamente o seu governo” .
A rispidez desse diálogo, travado em 27 de agosto de 1954 – portanto, apenas três dias após o suicídio de Vargas -, evidencia muito bem o calor dos debates políticos daqueles dias. Na verdade, a violenta reação popular que se seguiu à morte do Presidente abortou os propósitos golpistas dos setores empenhados na liqüidação da democracia populista, tornando, pois, impossível a adoção de medidas extra-legais para solucionar a crise. Garantia-se, com a posse do Vice-Presidente – pelo menos na aparência -, a manutenção das regras do jogo constitucional.
Apud LIMA, Medeiros. Petróleo, energia elétrica, siderurgia: a luta pela emancipação (um depoimento de Jesus Soares Pereira sobre a política de Vargas). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p. 142.in: Mendonça, MG; Pires, MC. Formação econômica do Brasil. Pioneira-Thompson, 2002.
O baiano, que foi braço direito de Getúlio Vargas, chefiou um conjunto de projetos e instituições para promover o desenvolvimento nacional
por Alexandre de Freitas Barbosa* — publicado 04/09/2014 06:24
O brasileiro é craque em efemérides. Cinqüenta anos do golpe militar, sessenta anos do suicídio de Getúlio Vargas e cem anos do nascimento de Dorival Caymmi. Outro baiano, menos celebrado, completa seu centenário de nascimento em 2014. Mas quem foi Rômulo Almeida?
Não pretendo listar aqui suas conquistas e derrotas, transformá-lo em herói ou mártir. Tampouco fazer discursos eloquentes, ressalvando seu espírito abnegado e a herança que deixou ao país, a qual deveria nos encher de brio e de orgulho. Rômulo repudiaria esse tom bacharelesco. Uma sóbria saudação ressaltando a sua práxis, sempre associada a uma visão sistêmica acerca das potencialidades do Brasil, seria mais de seu agrado.
Braço direito de Vargas, no seu segundo governo, Rômulo elabora junto com os demais membros da Assessoria Econômica por ele chefiada, um conjunto de projetos e instituições que sobrevivem até os dias de hoje. Sua concepção originária nem tanto. Queria uma infraestrutura econômica que pudesse embasar a expansão do mercado interno, ampliando os polos de crescimento e as perspectivas de inserção social. O papel do Estado, por meio do planejamento democrático, fazia-se estratégico para um desenvolvimento nacional capaz de enfrentar o “pauperismo”, como dizia o então jovem positivista herdeiro de Euclides da Cunha e Alberto Torres.
Responsável pelo projeto que deu origem à Petrobras, lamentava-se do oportunismo da direita udenista que, ao transformar o monopólio virtual em real, teria reduzido a flexibilidade e eficiência da empresa estatal. No setor de energia elétrica, acossado por crises e racionamento nos anos 1950, elaborou, com o apoio de Jesus Soares Pereira e de Ignácio Rangel, um plano de quatro etapas, que permitiria a regulação e planejamento do setor, com papel ativo da Eletrobrás, criada apenas em 1962, e assegurando a presença do setor privado, desde que o mesmo aceitasse expandir o seu nível de investimentos.
Criador e presidente do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), esboçou o “Plano Federal para o Nordeste”, o primeiro estudo a encarar a região por meio de uma solução não exclusivamente hidráulica, mais adiante expandido de maneira exemplar por Celso Furtado na SUDENE. Na concepção de Rômulo, o BNB seria um banco de financiamento de projetos multiplicadores do desenvolvimento. Acreditava que o Nordeste poderia (e deveria) competir no espaço nacional, o que exigia a implantação das indústrias de base e a expansão de uma agricultura agregadora de valor.
Ainda no âmbito do segundo Governo Vargas, participou da Comissão de Bem-Estar Social, presidindo a Sub-Comissão de Habitação e Favelas. Seu objetivo era integrar o acesso à habitação popular com o desenvolvimento da indústria nacional de construção e o financiamento em larga escala, o que seria impossível, no seu entender, sem o enfrentamento da especulação imobiliária.
Elegeu-se deputado federal pelo PTB – partido que disputava o apoio da classe trabalhadora junto com o PCB - em 1954. Na segunda metade dos anos 1950, replicou a experiência do segundo Governo Vargas, como secretário da Fazenda da Bahia, naquela que seria a primeira iniciativa de planejamento integral ao nível estadual. Já em 1959, apontava para as perspectivas da indústria petroquímica na Bahia. Convenceu o governador Luis Viana Filho do potencial transformador desta indústria, tendo depois entregue o projeto por ele elaborado para Antônio Carlos Magalhães, seu arqui-inimigo. Negociou nos bastidores do poder militar a sua implantação na Bahia, por mais que soubesse que o mesmo jamais seria implantado na sua inteireza.
Sempre se colocou contra o regionalismo exacerbado, tendo voltado para a Bahia – Osvaldo Aranha comentava que Rômulo teria sido “o primeiro a pegar o ita de volta” -, ao perceber que o desenvolvimento, tal como avançara no país, poderia gerar uma nação dual. Durante a gestão de JK, quando se acreditava que “o Brasil poderia dar certo”, Rômulo já punha o dedo na ferida. Ressentia-se do Estado cartorial e da estrutura política pré-ideológica e antiprogramática. Ideologia e planejamento caminhavam juntos para este técnico que fazia política, não por apreço, mas por dever.
Do Brasil para a Bahia e depois da Bahia para o mundo. Rômulo, desde meados dos anos 1940, participaria de várias negociações internacionais, inclusive daquela que daria origem ao GATT, de 1947, precursor da OMC. Jânio Quadros o nomearia, em 1961, Secretário-Executivo da ALALC, entidade antecessora do Mercosul cobrindo um grupo maior de países. Depois seria indicado, no governo João Goulart, para o Comitê dos Nove Especialistas da OEA, órgão consultivo que subsidiava a aprovação de projetos de financiamento aos países latino-americanos no âmbito da Aliança para o Progresso. Renuncia ao cargo, em 1966, em repúdio à posição cada vez mais unilateral dos Estados Unidos.
O golpe de 1964 poupa Rômulo que se encontrava no exterior. Quando retorna, monta em Salvador, o seu escritório de projetos para o setor público, pois como dizia “recusava a privatizar-se”. Cobrava pouco pelos projetos que acreditava. Via-os como uma espécie de investimento do seu capital humano. Dedicava-se a iniciativas educacionais, culturais, de planejamento urbano, além das tipicamente econômicas.
No auge do “milagre”, Rômulo – um dos últimos desenvolvimentistas da sua geração atuando no Brasil, pois muitos haviam sido forçados ao exílio - dispara a artilharia contra o governo, o mesmo que a ele, por vezes, recorria em busca de conselhos técnicos. Filia-se ao MDB e volta ao governo na gestão José Sarney, como diretor da área industrial do BNDES, oura instituição por ele parida, junto com a Petrobras, CAPES, BNB, dentre tantas outras.
Um projetista de utopias, defensor do planejamento, da democracia e do progresso técnico como forma de assegurar o desenvolvimento com inclusão social. Mais que economista, um servidor público dotado de concepções políticas inegociáveis, com conhecimento técnico construído por meio da observação da realidade e da prática nas agências estatais. Talvez por isso mesmo, era tido em alta conta por todos os presidentes do Brasil de 1950 a 1964 e inclusive por segmentos influentes da burocracia durante a ditadura militar.
Um pequeno exemplo ilustra o compromisso desse burocrata no melhor sentido da palavra, inserido num contexto intelectual e político muito peculiar e compondo uma geração que não tinha vergonha de se autointitular nacionalista. Em 11 de fevereiro de 1951, nosso economista é convocado para redigir a mensagem para o Congresso do presidente recém-eleito. O prazo é exíguo: 15 de março. Ele comanda então uma legião de cinqüenta servidores públicos que elaboram o primeiro esboço de projeto nacional do país.
Hoje, com tantos recursos tecnológicos, toda a riqueza de dados oficiais e de estudos acadêmicos que transformam qualquer coisa em números, nossos candidatos parecem incapazes de fazer um inventário dos recursos da nação e de projetar uma utopia para além dos tripés econômicos e das fórmulas de marketing político.
Para quem anda em busca de um “novo desenvolvimentismo”, vale à pena conhecer a nossa história e os que ficaram no meio do caminho. A semente apenas germina em solo que foi arado previamente.
*Professor de História Econômica e Economia Brasileira do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP).
Agora minha contribuição para reafirmar o caráter de Rômulo Almeida.
Para que se possa ter uma idéia do clima de indignação que se estabeleceu após a morte de Vargas, assim como da guinada nos rumos da política econômica, achamos por bem reproduzir o diálogo havido entre o presidente Café Filho e Rômulo de Almeida, graduado economista, integrante da Assessoria Econômica da Presidência durante o governo Vargas, e nomeado presidente do Banco do Nordeste. A conversa foi narrada por Jesus Soares Pereira, também técnico daquela Assessoria:
“O Dr. Café Filho recebeu-nos de pé, no ambiente que começava a se formar no Catete por ocasião das primeiras recepções do novo chefe do governo. Para nós a situação era algo constrangedora, pois não participávamos da euforia que envolvia a maior parte das pessoas presentes. Estávamos ali em missão nada agradável.
Coube ao presidente iniciar o diálogo ao perguntar ao Dr. Rômulo como ia o Banco do Nordeste. ‘Bem, e praticamente em condições de operar’. Depois de ouvir esta resposta o Dr. Café Filho indagou: ‘Quais suas disposições em face dos acontecimentos?’ O Dr. Rômulo limitou-se a declarar que já havia passado o cargo de presidente do Banco do Nordeste a seu substituto legal, considerando-se, assim, demitido.
Aparentando discordar da decisão, o Dr. Café Filho, como se apanhado de surpresa, indagou:
- Mas por quê?
- Porque – esclareceu sério o Dr. Rômulo de Almeida – exercia a função como pessoa de confiança do presidente Getúlio Vargas. Sendo assim não me sinto bem em continuar no cargo.
Não dando por encerrado o diálogo, o Dr. Café Filho, que se mostrava muito bem humorado, quis saber o que o Dr. Rômulo pretendia fazer. E este, como se estivesse desejoso de encerrar a conversa, respondeu com firmeza e sem rodeios:
- Daqui por diante dedicarei todos os meus esforços a combater politicamente o seu governo” .
A rispidez desse diálogo, travado em 27 de agosto de 1954 – portanto, apenas três dias após o suicídio de Vargas -, evidencia muito bem o calor dos debates políticos daqueles dias. Na verdade, a violenta reação popular que se seguiu à morte do Presidente abortou os propósitos golpistas dos setores empenhados na liqüidação da democracia populista, tornando, pois, impossível a adoção de medidas extra-legais para solucionar a crise. Garantia-se, com a posse do Vice-Presidente – pelo menos na aparência -, a manutenção das regras do jogo constitucional.
Apud LIMA, Medeiros. Petróleo, energia elétrica, siderurgia: a luta pela emancipação (um depoimento de Jesus Soares Pereira sobre a política de Vargas). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975. p. 142.in: Mendonça, MG; Pires, MC. Formação econômica do Brasil. Pioneira-Thompson, 2002.
quinta-feira, 4 de setembro de 2014
Nouriel Roubini:Enquanto no Brasil os candidatos de oposição especulam ajuste recessivo em 2015, Europa irá lançar plano de incentivo por meio da expansão do crédito
ECB wisely takes a page from Japan's 'Abenomics'
By Nouriel Roubini Source:Global Times Published: 2014-9-4 17:03:01
Two years ago, Shinzo Abe's election as Japan's Prime Minister led to the advent of "Abenomics," a three-part plan to rescue the economy from a treadmill of stagnation and deflation. Abenomics' three components - or "arrows" - comprise massive monetary stimulus in the form of quantitative and qualitative easing (QQE), including more credit for the private sector; a short-term fiscal stimulus, followed by consolidation to reduce deficits and make public debt sustainable; and structural reforms to strengthen the supply side and potential growth.
It now appears - based on European Central Bank (ECB) President Mario Draghi's recent Jackson Hole speech - that the ECB has a similar plan in store for the eurozone. The first element of "Draghinomics" is an acceleration of the structural reforms needed to boost the eurozone's potential output growth. Progress on such vital reforms has been disappointing, with more effort made in some countries (Spain and Ireland, for example) and less in others (Italy and France, to cite just two).
But Draghi now recognizes that the eurozone's slow, uneven, and anemic recovery reflects not only structural problems, but also cyclical factors that depend more on aggregate demand than on aggregate supply constraints. Thus, measures to increase demand are also necessary.
Here, then, is Draghinomics' second arrow: to reduce the drag on growth from fiscal consolidation while maintaining lower deficits and greater debt sustainability. There is some flexibility in how fast the fiscal target can be achieved, especially now that a lot of front-loaded austerity has occurred and markets are less nervous about the sustainability of public debt. Moreover, while the eurozone periphery may need more consolidation, parts of the core - say, Germany - could pursue a temporary fiscal expansion (lower taxes and more public investment) to stimulate domestic demand and growth. And a eurozone-wide infrastructure-investment program could boost demand while reducing supply-side bottlenecks.
The third element of Draghinomics - similar to the QQE of Abenomics - will be quantitative and credit easing in the form of purchases of public bonds and measures to boost private-sector credit growth. Credit easing will start soon with targeted long-term refinancing operations (which provide subsidized liquidity to eurozone banks in exchange for faster growth in lending to the private sector). When regulatory constraints are overcome, the ECB will also begin purchasing private assets (essentially securitized bundles of new bank loans).
Now Draghi has signaled that, with the eurozone one or two shocks away from deflation, the inflation outlook may soon justify quantitative easing (QE) like that conducted by the US Federal Reserve, the Bank of Japan and the Bank of England: outright large-scale purchases of eurozone members' sovereign bonds. Indeed, it is likely that QE will begin by early 2015.
Quantitative and credit easing could affect the outlook for eurozone inflation and growth through several transmission channels. Shorter- and longer-term bond yields in core and periphery countries - and spreads in the periphery - may decline further, lowering the cost of capital for the public and private sectors. The value of the euro may fall, boosting competitiveness and net exports. Eurozone stock markets could rise, leading to positive wealth effects. Indeed, as the likelihood of QE has increased over this year, asset prices have already moved upward, as predicted.
These changes in asset prices - together with measures that increase private-sector credit growth - can boost aggregate demand and increase inflation expectations. One should also not discount the effect on "animal spirits" - consumer, business, and investor confidence - that a credible commitment by the ECB to deal with slow growth and low inflation may trigger.
Some more hawkish ECB officials worry that QE will lead to moral hazard by weakening governments' commitment to austerity and structural reforms. But in a situation of near-deflation and near-recession, the ECB should do whatever is necessary, regardless of these risks.
Moreover, QE may actually reduce moral hazard. If QE and looser short-term fiscal policies boost demand, growth and employment, governments may be more likely to implement politically painful structural reforms and long-term fiscal consolidation. Indeed, the social and political backlash against austerity and reform is stronger when there is no income or job growth.
Draghi correctly points out that QE would be ineffective unless governments implement faster supply side structural reforms and the right balance of short-term fiscal flexibility and medium-term austerity. In Japan, though QQE and short-term fiscal stimulus boosted growth and inflation in the short run, slow progress on the third arrow of structural reforms, along with the effects of the current fiscal consolidation, are now taking a toll on growth.
As in Japan, all three arrows of Draghinomics must be launched to ensure that the eurozone gradually returns to competitiveness, growth, job creation and medium-term debt sustainability in the private and public sectors. By the end of this year, it is to be hoped, the ECB will start to do its part by implementing quantitative and credit easing.
The author is Chairman of Roubini Global Economics and a professor at NYU's Stern School of Business.
By Nouriel Roubini Source:Global Times Published: 2014-9-4 17:03:01
Two years ago, Shinzo Abe's election as Japan's Prime Minister led to the advent of "Abenomics," a three-part plan to rescue the economy from a treadmill of stagnation and deflation. Abenomics' three components - or "arrows" - comprise massive monetary stimulus in the form of quantitative and qualitative easing (QQE), including more credit for the private sector; a short-term fiscal stimulus, followed by consolidation to reduce deficits and make public debt sustainable; and structural reforms to strengthen the supply side and potential growth.
It now appears - based on European Central Bank (ECB) President Mario Draghi's recent Jackson Hole speech - that the ECB has a similar plan in store for the eurozone. The first element of "Draghinomics" is an acceleration of the structural reforms needed to boost the eurozone's potential output growth. Progress on such vital reforms has been disappointing, with more effort made in some countries (Spain and Ireland, for example) and less in others (Italy and France, to cite just two).
But Draghi now recognizes that the eurozone's slow, uneven, and anemic recovery reflects not only structural problems, but also cyclical factors that depend more on aggregate demand than on aggregate supply constraints. Thus, measures to increase demand are also necessary.
Here, then, is Draghinomics' second arrow: to reduce the drag on growth from fiscal consolidation while maintaining lower deficits and greater debt sustainability. There is some flexibility in how fast the fiscal target can be achieved, especially now that a lot of front-loaded austerity has occurred and markets are less nervous about the sustainability of public debt. Moreover, while the eurozone periphery may need more consolidation, parts of the core - say, Germany - could pursue a temporary fiscal expansion (lower taxes and more public investment) to stimulate domestic demand and growth. And a eurozone-wide infrastructure-investment program could boost demand while reducing supply-side bottlenecks.
The third element of Draghinomics - similar to the QQE of Abenomics - will be quantitative and credit easing in the form of purchases of public bonds and measures to boost private-sector credit growth. Credit easing will start soon with targeted long-term refinancing operations (which provide subsidized liquidity to eurozone banks in exchange for faster growth in lending to the private sector). When regulatory constraints are overcome, the ECB will also begin purchasing private assets (essentially securitized bundles of new bank loans).
Now Draghi has signaled that, with the eurozone one or two shocks away from deflation, the inflation outlook may soon justify quantitative easing (QE) like that conducted by the US Federal Reserve, the Bank of Japan and the Bank of England: outright large-scale purchases of eurozone members' sovereign bonds. Indeed, it is likely that QE will begin by early 2015.
Quantitative and credit easing could affect the outlook for eurozone inflation and growth through several transmission channels. Shorter- and longer-term bond yields in core and periphery countries - and spreads in the periphery - may decline further, lowering the cost of capital for the public and private sectors. The value of the euro may fall, boosting competitiveness and net exports. Eurozone stock markets could rise, leading to positive wealth effects. Indeed, as the likelihood of QE has increased over this year, asset prices have already moved upward, as predicted.
These changes in asset prices - together with measures that increase private-sector credit growth - can boost aggregate demand and increase inflation expectations. One should also not discount the effect on "animal spirits" - consumer, business, and investor confidence - that a credible commitment by the ECB to deal with slow growth and low inflation may trigger.
Some more hawkish ECB officials worry that QE will lead to moral hazard by weakening governments' commitment to austerity and structural reforms. But in a situation of near-deflation and near-recession, the ECB should do whatever is necessary, regardless of these risks.
Moreover, QE may actually reduce moral hazard. If QE and looser short-term fiscal policies boost demand, growth and employment, governments may be more likely to implement politically painful structural reforms and long-term fiscal consolidation. Indeed, the social and political backlash against austerity and reform is stronger when there is no income or job growth.
Draghi correctly points out that QE would be ineffective unless governments implement faster supply side structural reforms and the right balance of short-term fiscal flexibility and medium-term austerity. In Japan, though QQE and short-term fiscal stimulus boosted growth and inflation in the short run, slow progress on the third arrow of structural reforms, along with the effects of the current fiscal consolidation, are now taking a toll on growth.
As in Japan, all three arrows of Draghinomics must be launched to ensure that the eurozone gradually returns to competitiveness, growth, job creation and medium-term debt sustainability in the private and public sectors. By the end of this year, it is to be hoped, the ECB will start to do its part by implementing quantitative and credit easing.
The author is Chairman of Roubini Global Economics and a professor at NYU's Stern School of Business.
domingo, 24 de agosto de 2014
Mudanças Geopolíticas: As US, EU close doors, China, Russia open new ones
By Dmitri Trenin Source:Global Times Published: 2014-8-24 23:38:01
Fonte: http://www.globaltimes.cn/content/877903.shtml
Confrontation with the US over Ukraine and the economic sanctions imposed by the US and its allies have made the Russian government change its economic, financial and trade policies. The priority now is stimulating domestic development, particularly in industry and agriculture, as well as science and technology.
Russia is not about to abandon globalization, or shut itself out of the wider world and adopt autarky. Its foreign economic ties, however, are undergoing a major restructuring. The share of the West is going down, while the share of Asia, notably China, is going up.
China is the world's second largest economy, soon to become the global leader. It is the global manufacturing workshop. It owns the world's largest currency reserves. It hosts one of the world's three top financial centers, in Hong Kong.
And - what is particularly important, from Moscow's perspective - Beijing is fully sovereign in setting its own policy course, successfully resisting and rebuffing Washington's pressure. Thus, it is one major economy in today's world unlikely to join US-led sanctions against Russia.
Moreover, for obvious geopolitical reasons, China has no interest in seeing Russia crushed by US policies. This makes the Sino-Russian economic relationship a major beneficiary of the downturn in Russia's ties with the West.
The signs for this are multiplying, above all in energy. In May, Russia agreed to supply China with natural gas in a historic, 30-year, $400 billion deal. This follows an earlier agreement to ramp up oil trade. According to The Wall Street Journal, Russia's oil deliveries to Asia, mostly to China, have grown from 20 percent to 30 percent of the country's total exports in just one year.
Since Russia's oil production is essentially stagnant, the growth of the Asia trade means a reduction of deliveries to Europe. After the West has banned exports to Russia of oil drilling technologies for use on the shelf, a Chinese company, Honghua, is reported to be in line to receive future Russian contracts.
The sanctions and the specific restrictions on banking operations with Russia are also closing the books on the long era of cheap Western credit. China, on the other hand, is awash with money and has already been lending to Russia. More is to come. Megafon, a leading communications company, has recently converted a large part of its assets into Hong Kong dollars, away from the US dollar and the euro.
Gennady Timchenko, President Vladimir Putin's close friend and Russia's sixth richest man who had made a fortune as oil trader, was specifically targeted by the Western sanctions. Unable to use his Visa and MasterCard accounts, Timchenko transferred his funds into a UnionPay card.
Taking a cue from this, the Russian government is currently working on a national electronic payments system which would end the monopoly of Visa and MasterCard in Russia. Both global companies proved themselves too pliant when confronted with Washington's demands to sanction Russian banks and their clients.
In a recent meeting with members of the Russian Duma, Putin was cautious when asked about radical steps away from Russia's reliance on the US dollar as a main medium of foreign transactions. However, Moscow has been moving in that direction.
In June, Russia joined China, India, Brazil, and South Africa in founding a BRICS development bank and a special reserve fund. Russia is considering selling some of its oil to China for the yuan, to be used for purchasing Chinese oil-drilling equipment.
All these changes are of fundamental importance because they signify a shift that is not tactical or transient.
The quarter-century of Russia's efforts to find an acceptable place for itself in the US-led Western system have ended in a bitter disappointment. The changing trading patterns point to a new era in Moscow's foreign relations, which will prioritize trading outside the West.
In this new era, Sino-Russian relations will be taking center stage. As Putin said in Yalta, Crimea recently, Russia looks to a long period of close and friendly relations with its great neighbor to the east.
The author is director of the Carnegie Moscow Center. opinion@globaltimes.com.cn
domingo, 17 de agosto de 2014
NOVO LIVRO: Economia Política Internacional - Os desafios para o século XXI
Organização: Luis Antonio Paulino, Luiz Eduardo Simões de Souza e Marcos Cordeiro Pires
Editora Saraiva, 2014.
Escrito por acadêmicos e pesquisadores de diferentes áreas, Economia política internacional: os desafios para o século XXI analisa os aspectos essenciais do atual debate acadêmico tanto no nível teórico quanto em nível histórico, propondo uma reflexão sobre os principais desafios da economia internacional no século XXI.
Com uma abordagem didática, que incentiva o debate em sala de aula, os assuntos são apresentados de maneira clara e com a seriedade que o tema merece. Além disso, a multiplicidade de olhares dos autores permite que o leitor analise de modo crítico temas que envolvem a economia política internacional, a economia internacional de empresas, a globalização e suas instituições, as finanças internacionais e, também, que esteja preparado para discutir sobre temas econômicos essenciais, como internacionalização das empresas, barreiras protecionistas, capitalismo global e teorias de investimento internacional.
Escrita para economistas e não economistas, esta obra possui uma estrutura que permite uma visão não linear do conteúdo, facilitando a adequação aos diversos cursos para os quais a obra é indicada.
Sumário: Informações em:
http://www.editorasaraiva.com.br/produto/universitario/economia/economia-politica-internacional/
segunda-feira, 26 de maio de 2014
CHINA E RÚSSIA: UM ACORDO IMPORTANTE, MAS NÃO TANTO ASSIM
Há uma semana, Xi Jinping e Vladimir Putin firmaram um acordo energético de grande importância estratégica: um contrato de fornecimento de gás russo para a China que prevê o suprimento de gás natural para os próximos 30 anos, devendo movimentar aproximadamente U$400 bilhões e investimentos na construção de oleodutos e outras infraestruturas da ordem de US$75 bilhões. Por conta de sua complexidade, o acordo demorou 10 anos para ser alcançado. Do ponto de vista econômico, ele beneficia ambas as partes: a Rússia, por ampliar o seu leque de clientes, e a China, por garantir um recurso estratégico para seu contínuo processo de desenvolvimento, ainda mais quando o modelo econômico se desloca do foco nas exportações para a ampliação do mercado interno.
A mídia tem dado um destaque especial, aludindo a uma aliança estratégica, por conta dos problemas políticos que envolvem a Rússia nas terras ucranianas. Frente às sanções econômicas dos países da OTAN e também por conta da grande dependência que a Rússia tem de seus clientes ocidentais, o acordo é visto como uma mudança no eixo estratégico da política mundial, uma vez que isto poderia levar a uma suposta aliança sino-russa contra as potências ocidentais, particularmente os Estados Unidos.
Esta especulação é reforçada pela ampliação das atividades políticas e diplomáticas dos Estados Unidos na Bacia do Oceano Pacífico. Em 2011, Hilary Clinton anunciou com pompas a nova estratégia de Washington denominada “Um século dos Estados Unidos na Ásia-Pacífico”, indicando a reorientação das prioridades do país do Oriente Médio para essa região do mundo. Desde então, os EUA estão reforçando sua posição de “pivot” na Ásia, buscando contrapor-se ao aumento da influência chinesa. Por conta disso, os EUA estimulam as negociações para a Parceria Trans-Pacífico (TPP), um amplo acordo comercial que envolve os dois lados do Pacífico, mas que exclui a China, e vem oferecendo respaldo para Japão, Coréia do Sul, Filipinas, Vietnam e Malásia em suas disputas territoriais contra a China no Mar da China. Além disso, criaram a 3-E Initiative (Iniciativa de Expansão do Engajamento Econômico Estados Unidos-ASEAN), para reforçar os laços com os países do Sudeste Asiático.
Aparentemente, ambos os problemas, a Ucrânia, para a Rússia e o “pivot” dos Estados Unidos, para a China, poderiam levar os governos russo e chinês para a formação de uma aliança antiocidental que viesse a fortalecer o eixo euroasiático. No entanto, por mais que melhorem as relações entre os grandes vizinhos, não é plausível, e nem palpável, uma coalizão com estes objetivos. Diferentemente da época da Guerra Fria, China e Rússia estão fortemente engajados na economia mundial e não teriam interesse em abalar a ordem internacional. Pelo contrário, teriam interesse em democratizar a ordem no sentido da criação de um mundo multipolar dentro das regras do jogo. A China, especificamente, excetuando os casos pontuais de Paquistão e Coréia do Norte, não se predispõe a entrar em alianças permanentes, fosse com a Rússia, fosse com os Estados Unidos. A preocupação do Império do Meio não é outra senão a de garantir uma ordem internacional estável para que todos os seus esforços sejam destinados ao seu “Desenvolvimento Pacífico”. Ainda é cedo para concluir que um acordo comercial possa significar uma reviravolta na política mundial. O acordo energético é importante, mas nem tanto assim...
A mídia tem dado um destaque especial, aludindo a uma aliança estratégica, por conta dos problemas políticos que envolvem a Rússia nas terras ucranianas. Frente às sanções econômicas dos países da OTAN e também por conta da grande dependência que a Rússia tem de seus clientes ocidentais, o acordo é visto como uma mudança no eixo estratégico da política mundial, uma vez que isto poderia levar a uma suposta aliança sino-russa contra as potências ocidentais, particularmente os Estados Unidos.
Esta especulação é reforçada pela ampliação das atividades políticas e diplomáticas dos Estados Unidos na Bacia do Oceano Pacífico. Em 2011, Hilary Clinton anunciou com pompas a nova estratégia de Washington denominada “Um século dos Estados Unidos na Ásia-Pacífico”, indicando a reorientação das prioridades do país do Oriente Médio para essa região do mundo. Desde então, os EUA estão reforçando sua posição de “pivot” na Ásia, buscando contrapor-se ao aumento da influência chinesa. Por conta disso, os EUA estimulam as negociações para a Parceria Trans-Pacífico (TPP), um amplo acordo comercial que envolve os dois lados do Pacífico, mas que exclui a China, e vem oferecendo respaldo para Japão, Coréia do Sul, Filipinas, Vietnam e Malásia em suas disputas territoriais contra a China no Mar da China. Além disso, criaram a 3-E Initiative (Iniciativa de Expansão do Engajamento Econômico Estados Unidos-ASEAN), para reforçar os laços com os países do Sudeste Asiático.
Aparentemente, ambos os problemas, a Ucrânia, para a Rússia e o “pivot” dos Estados Unidos, para a China, poderiam levar os governos russo e chinês para a formação de uma aliança antiocidental que viesse a fortalecer o eixo euroasiático. No entanto, por mais que melhorem as relações entre os grandes vizinhos, não é plausível, e nem palpável, uma coalizão com estes objetivos. Diferentemente da época da Guerra Fria, China e Rússia estão fortemente engajados na economia mundial e não teriam interesse em abalar a ordem internacional. Pelo contrário, teriam interesse em democratizar a ordem no sentido da criação de um mundo multipolar dentro das regras do jogo. A China, especificamente, excetuando os casos pontuais de Paquistão e Coréia do Norte, não se predispõe a entrar em alianças permanentes, fosse com a Rússia, fosse com os Estados Unidos. A preocupação do Império do Meio não é outra senão a de garantir uma ordem internacional estável para que todos os seus esforços sejam destinados ao seu “Desenvolvimento Pacífico”. Ainda é cedo para concluir que um acordo comercial possa significar uma reviravolta na política mundial. O acordo energético é importante, mas nem tanto assim...
quinta-feira, 10 de abril de 2014
En la Unidad Académica de FLACSO México se realiza este 08 de abril el seminario Internacional: AMÉRICA LATINA Y SUS RELACIONES CON CHINA EN UN MUNDO EN TRANSFORMACIÓN
China se ha convertido en un socio comercial estratégico relevante para la región, esto hace surgir la pregunta sobre si se han alterado los equilibrios y la tradicional asimetría que durante décadas caracterizó la relación entre los Estados Unidos y la región latinoamericana, así como sobre las posibilidades de transformación que en este contexto tendrían socios extra hemisféricos. Es necesario, también,identificar el impacto de esas nuevas y diversas interacciones en la proyección global de la región y en los patrones de inserción de la misma en la política y en la economía internacionales.
El objetivo principal de este encuentro es identificar las tendencias, intereses y políticas en las relaciones estratégicas birregionales, entre América Latina y China, a la luz de una coyuntura de transformaciones globales en el Sistema Internacional.
Link: http://www.flacso.org/secretaria-general/unidad-acad-mica-flacso-m-xico-se-realiza-este-08-abril-seminario-internacional
El objetivo principal de este encuentro es identificar las tendencias, intereses y políticas en las relaciones estratégicas birregionales, entre América Latina y China, a la luz de una coyuntura de transformaciones globales en el Sistema Internacional.
Link: http://www.flacso.org/secretaria-general/unidad-acad-mica-flacso-m-xico-se-realiza-este-08-abril-seminario-internacional
sexta-feira, 28 de março de 2014
Standard and Poors não se responsabiliza por suas informações ou pelos danos que elas podem causar a terceiros
No final do texto de avaliação de risco da economia brasileira, a empresa norte-americana insere a seguinte informação:
Standard & Poor's does not guarantee the accuracy, completeness, timeliness or availability of any information, including ratings, and is not responsible for any errors or omissions (negligent or otherwise), regardless of the cause, or for the results obtained from the use of such information. STANDARD & POOR'S GIVES NO EXPRESS OR IMPLIED WARRANTIES, INCLUDING, BUT NOT LIMITED TO, ANY WARRANTIES OF MERCHANTABILITY OR FITNESS FOR A PARTICULAR PURPOSE OR USE. STANDARD & POOR'S shall not be liable for any direct, indirect, incidental, exemplary, compensatory, punitive, special or consequential damages, costs, expenses, legal fees, or losses (including lost income or profits and opportunity costs) in connection with any use of this information, including ratings. Standard & Poor's ratings are statements of opinions and are not statements of fact or recommendations to purchase, hold or sell securities. They do not address the market value of securities or the suitability of securities for investment purposes, and should not be relied on as investment advice. Please read our complete disclaimer here.
Resumindo: nós produzimos a informação e não nos responsabilizamos pelos seus resultados. É como soltar uma bomba atômica e não se responsabilizar pelos seus danos e vítimas.
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Resumindo: nós produzimos a informação e não nos responsabilizamos pelos seus resultados. É como soltar uma bomba atômica e não se responsabilizar pelos seus danos e vítimas.
segunda-feira, 24 de março de 2014
Diálogos China e América Latina, novo Livro Organizado por Marcos Cordeiro Pires e Luís Antonio Paulino
Apresento aos leitores do Blog o mais recente livro publicado no âmbito das pesquisas sobre a China:
A CONSTRUÇÃO DE UM RELACIONAMENTO
O presente livro, DIÁLOGOS CHINA E AMÉRICA LATINA, é mais um fruto do esforço de pesquisadores chineses e latino-americanos no sentido de ampliar a compreensão mútua sobre a realidade socioeconômica da China e da América Latina. Em essência, temos buscado refletir sobre os rumos dessa relação com vistas a contribuir para a maximização dos resultados até aqui alcançados e também refrear as desconfianças mútuas decorrente de um contato ainda muito recente.
O seminário que deu origem a este livro, o “FORO ACADÊMICO DE ALTO-NÍVEL ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA - "CHINA E AMÉRICA LATINA NOS PRÓXIMOS 20 ANOS: OS ATORES E SEUS PAPEIS", foi um espaço para discussão de assuntos relevantes sobre aspectos das múltiplas relações entre a República Popular da China e os países Latino-Americanos.
O formato do Foro foi definido entre o Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais (ILAS-CASS), a Editora de Ciências Sociais da China (CSSP), e também por universidades de nossa região, como a Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade de Santiago do Chile, CELC- Andrés Bello (Chile), Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), Universidade Autônoma do México e o próprio Memorial da América Latina.
O seminário em questão envolveu pesquisadores, quadros governamentais e empresariais e serviu para abrir uma pauta conjunta de temas que possam estimular pesquisas nos Institutos e Universidades de ambos os lados do Pacífico.
Como o leitor pode constatar, este livro traz importantes reflexões tanto para o estudioso de nossos países da América Latina como também dos chineses interessados em conhecer um pouco mais dessa complexa relação entre a China e seus parceiros latino-americanos.
A CONSTRUÇÃO DE UM RELACIONAMENTO
O presente livro, DIÁLOGOS CHINA E AMÉRICA LATINA, é mais um fruto do esforço de pesquisadores chineses e latino-americanos no sentido de ampliar a compreensão mútua sobre a realidade socioeconômica da China e da América Latina. Em essência, temos buscado refletir sobre os rumos dessa relação com vistas a contribuir para a maximização dos resultados até aqui alcançados e também refrear as desconfianças mútuas decorrente de um contato ainda muito recente.
O seminário que deu origem a este livro, o “FORO ACADÊMICO DE ALTO-NÍVEL ENTRE CHINA E AMÉRICA LATINA - "CHINA E AMÉRICA LATINA NOS PRÓXIMOS 20 ANOS: OS ATORES E SEUS PAPEIS", foi um espaço para discussão de assuntos relevantes sobre aspectos das múltiplas relações entre a República Popular da China e os países Latino-Americanos.
O formato do Foro foi definido entre o Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais (ILAS-CASS), a Editora de Ciências Sociais da China (CSSP), e também por universidades de nossa região, como a Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade de Santiago do Chile, CELC- Andrés Bello (Chile), Universidade Nacional de Córdoba (Argentina), Universidade Autônoma do México e o próprio Memorial da América Latina.
O seminário em questão envolveu pesquisadores, quadros governamentais e empresariais e serviu para abrir uma pauta conjunta de temas que possam estimular pesquisas nos Institutos e Universidades de ambos os lados do Pacífico.
Como o leitor pode constatar, este livro traz importantes reflexões tanto para o estudioso de nossos países da América Latina como também dos chineses interessados em conhecer um pouco mais dessa complexa relação entre a China e seus parceiros latino-americanos.
Agência S&P rebaixa nota de crédito do Brasil: QUEM ACREDITA NA ISENÇÃO DA STANDARD AND POORS?
As agências de classificação de risco, dentre elas a Standard & Poors, são parte importante da especulação financeira em nível mundial. A opinião delas, muitas vezes, não tem nada a ver com fundamentos ou com qualquer coisa real. Dependendo do interesse, podem transformar ouro em esterco ou esterco em ouro. Elas foram responsáveis diretas pela crise financeira de 2008, pois davam notas máximas para os títulos da dívida hipotecária dos Estados Unidos, os chamados título de clientes "subprimes".
Numa Comissão do Congresso dos Estados Unidos, ao ser perguntado porque a S&P deu nota máxima aos títulos subprime, o presidente da agências respondeu: "era apenas uma opinião"!
Agora, vejam como a direita brasileira se regojiza com a suposta má notícia.
O filme Inside Job, de Charles Fergusson, mostra esta cena. Assistam no link abaixo o vídeo no youtube:
Numa Comissão do Congresso dos Estados Unidos, ao ser perguntado porque a S&P deu nota máxima aos títulos subprime, o presidente da agências respondeu: "era apenas uma opinião"!
Agora, vejam como a direita brasileira se regojiza com a suposta má notícia.
O filme Inside Job, de Charles Fergusson, mostra esta cena. Assistam no link abaixo o vídeo no youtube:
sábado, 22 de março de 2014
PARA UMA MAMÃE PREOCUPADA COM O SEU CURUMIM
Benke - Milton Nascimento
* Essa canção é o nome de um curumim do povo Kampa e é dedicada a todos os curumins de todas as raças do mundo
* Essa canção é o nome de um curumim do povo Kampa e é dedicada a todos os curumins de todas as raças do mundo
sexta-feira, 21 de março de 2014
TV TEM FAZ MATÉRIA SOBRE O IMPACTO ECONÔMICO DA UNESP NOS MUNICÍPIOS DE SÃO PAULO
Impacto economico dos campi da Unesp no interior paulista é alto
http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/tem-noticias-1edicao/videos/t/edicoes/v/impacto-economico-dos-campi-da-unesp-no-interior-paulista-e-alto/3226322/
http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/tem-noticias-1edicao/videos/t/edicoes/v/impacto-economico-dos-campi-da-unesp-no-interior-paulista-e-alto/3226322/
segunda-feira, 17 de março de 2014
A DIREITA NÃO TEM VOTOS, SÓ GOLPE!
Estamos às vésperas de lamentar o 50º aniversário do Golpe Militar de 1º de Abril de 1964, que depôs o Presidente João Goulart. Aquele ato foi o resultado do ódio acumulado pelas forças de direita contra as conquistas populares e a construção nacional iniciada em 1930, por Getúlio Vargas.
O primeiro golpe ocorreu em 24/08/1954, quando um ultimatum militar exigiu a renúncia de Vargas. Não se curvando aos golpistas, ele optou por tirar a própria vida. Na sua Carta Testamento, escreveu: “Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência”.
As forças do golpe não se intimidaram: quando o povo elegeu Juscelino Kubistchek, em 1955, tentaram impedir sua posse. Ao longo de seu mandato, duas rebeliões da Aeronáutica tentaram retirá-lo do poder: Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959), além da tentativa de derrubar o seu avião nesse mesmo ano. Para a direita, JK, ao romper com o FMI e apoiar a Petrobrás, estava levando o país para o comunismo.
A direita só conseguiu eleger um presidente em 1960, Jânio Quadros. No entanto, seis meses depois da posse renunciaria, abrindo caminho para mais uma tentativa de golpe, dessa vez para impedir a posse do Vice-Presidente, João Goulart. O golpe só não se consumou diante da resistência organizada por Leonel Brizola, então governador gaúcho.
A partir de então, até abril de 1964, os golpistas passaram a contar com o apoio do governo dos Estados Unidos que, nas eleições de 1962, despejou, em dinheiro de hoje, 200 milhões de dólares para eleger parlamentares contrários a Goulart por meio do Instituto Brasileiro de Ação Democrático (IBAD), que não só apoiou quadros da UDN, mas também de outros partidos, como Mário Covas, do então PST.
Em 25 de março de 1964, o embaixador dos EUA Lincoln Gordon enviou telegrama a Washington pedindo o envio de armas para os golpistas e também o apoio da IV Frota, que deveria estacionar a dois dias de Vitória (ES) para entrar em combate caso houvesse resistência de Goulart. Não houve.
Em resumo, a direita brasileira não tem votos porque não têm políticas para a nação brasileira. Sem votos, a direita só tem o golpe, o arbítrio e a violência.
O primeiro golpe ocorreu em 24/08/1954, quando um ultimatum militar exigiu a renúncia de Vargas. Não se curvando aos golpistas, ele optou por tirar a própria vida. Na sua Carta Testamento, escreveu: “Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência”.
As forças do golpe não se intimidaram: quando o povo elegeu Juscelino Kubistchek, em 1955, tentaram impedir sua posse. Ao longo de seu mandato, duas rebeliões da Aeronáutica tentaram retirá-lo do poder: Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959), além da tentativa de derrubar o seu avião nesse mesmo ano. Para a direita, JK, ao romper com o FMI e apoiar a Petrobrás, estava levando o país para o comunismo.
A direita só conseguiu eleger um presidente em 1960, Jânio Quadros. No entanto, seis meses depois da posse renunciaria, abrindo caminho para mais uma tentativa de golpe, dessa vez para impedir a posse do Vice-Presidente, João Goulart. O golpe só não se consumou diante da resistência organizada por Leonel Brizola, então governador gaúcho.
A partir de então, até abril de 1964, os golpistas passaram a contar com o apoio do governo dos Estados Unidos que, nas eleições de 1962, despejou, em dinheiro de hoje, 200 milhões de dólares para eleger parlamentares contrários a Goulart por meio do Instituto Brasileiro de Ação Democrático (IBAD), que não só apoiou quadros da UDN, mas também de outros partidos, como Mário Covas, do então PST.
Em 25 de março de 1964, o embaixador dos EUA Lincoln Gordon enviou telegrama a Washington pedindo o envio de armas para os golpistas e também o apoio da IV Frota, que deveria estacionar a dois dias de Vitória (ES) para entrar em combate caso houvesse resistência de Goulart. Não houve.
Em resumo, a direita brasileira não tem votos porque não têm políticas para a nação brasileira. Sem votos, a direita só tem o golpe, o arbítrio e a violência.
O QUE PAUL KRUGMAN TEM A ENSINAR AOS RACISTAS BRASILEIROS? RECLAMA-SE DA BOLSA FAMÍLIA, MAS NÃO DA BOLSA BANQUEIRO!
AQUELE VELHO REFRÃO
FSP- 17/03/2014.
PAUL KRUGMAN
Existem muitas coisas negativas a dizer sobre Paul Ryan, presidente do Comitê Orçamentário da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos e, para todos os efeitos, líder intelectual do Partido Republicano. Mas é necessário admitir que ele é um homem muito articulado, um especialista em fazer parecer que ele sabe sobre o que está falando.
Por isso é cômico, de certa maneira, ver Ryan tentando minimizar algumas declarações recentes nas quais atribuía a pobreza persistente a uma "cultura, especialmente em alguns centros urbanos decadentes, de os homens não trabalharem, de gerações inteiras de homens nem pensarem em trabalhar". Ryan agora diz que ao fazer essas declarações ele foi "desarticulado". Como é que alguém pode sugerir que ele estivesse repetindo refrões racistas? Ora, ele chegou até a citar trabalhos de acadêmicos importantes - gente como Charles Murray, mais conhecido por argumentar que os negros são geneticamente inferiores aos brancos. Ops, calma lá.
É bom deixar claro que não existem indicações de que Ryan seja racista, como pessoa, e seu uso de um clichê racial talvez nem tenha sido deliberado. Ele disse o que disse porque esse é o tipo de coisa que os conservadores dizem uns aos outros o tempo todo. E por que eles dizem coisas como essas? Porque o conservadorismo norte-americano continua a ser, depois de todos esses anos, propelido por alegações de que os progressistas estão tirando o dinheiro que ganhamos com nosso trabalho suado para dá-lo Àquelas Pessoas.
De fato, a raça é a Pedra de Roseta que ajuda a traduzir muitos aspectos de outro modo incompreensíveis da política norte-americana.
Dizem, por exemplo, que os conservadores são contra o governo grande e gastos públicos pesados. Mas no momento mesmo em que os governadores e Legislativos estaduais republicanos bloqueiam a expansão do programa federal de saúde Medicaid, o partido denuncia ferozmente algumas medidas modestas para reduzir os gastos com o Medicare, outro programa federal de saúde. Como explicar essa contradição? Bem, basta ver com quem muitos beneficiários do Medicare se parecem - e estou falando de cor de pele, e não de caráter. Pronto, mistério resolvido.
Ou dizem que os conservadores, especialmente o movimento Tea Party, se opõem à assistência social porque acreditam em responsabilidade pessoal, em uma sociedade na qual as pessoas precisam arcar com as consequências de suas ações. Mas é difícil encontrar críticas ferozes do Tea Party aos imensos resgates a Wall Street, às imensas bonificações pagas a executivos salvos do desastre por intervenções e garantias do governo. Em lugar disso, toda a paixão do movimento, a começar pelo famoso surto de indignação de Rick Santelli na CNBC, é dirigida contra qualquer indício de um esforço para ajudar os devedores de baixa renda. E o que exatamente, nesses devedores, os torna tamanhos alvos de ira? Você sabe a resposta.
Uma estranha consequência de nossa política ainda dividida em linhas raciais é que os conservadores continuam, na prática, a se mobilizar contra os vagabundos sustentados pela Estado de bem-estar social ainda que nem os vagabundos e nem o Estado de bem-estar social existam mais, se é que existiram um dia. A fúria de Santelli era voltada a medidas de resgate a mutuários devedores em seus financiamentos residenciais que na realidade nunca entraram em vigor. E a teoria de Ryan sobre a pobreza, a de que os homens negros não querem trabalhar, está defasada em décadas.
Nos anos 70, ainda era possível alegar, de boa fé, que havia oportunidades abundantes nos Estados Unidos, e que a pobreza só persistia devido a uma crise cultural entre os negros norte-americanos. Na época, afinal, os empregos industriais continuavam a pagar bem e o desemprego era baixo. Mas a realidade é que as oportunidades eram muito menos abundantes do que os norte-americanos ricos imaginavam; como documentou o sociólogo William Julius Wilson, a fuga da indústria antes instalada nos centros urbanos significou que os trabalhadores das minorias literalmente não tinham como chegar àqueles bons empregos, e a suposta causa cultural da pobreza era na verdade efeito da falta de oportunidade. Ainda assim, é compreensível que muitos observadores não tenham percebido isso.
Mas ao longo dos últimos 40 anos, os bons empregos para trabalhadores comuns desapareceram, e não só nos centros urbanos mas em toda parte: ponderados pela inflação do período, os salários de 60% dos norte-americanos de classe trabalhadora caíram, no período. E à medida que as oportunidades econômicas encolhiam para metade da população, muitos comportamentos que costumavam ser apontados como prova da deterioração da cultura negra - casamentos dissolvidos, abuso de drogas e assim por diante - se espalharam também entre os brancos da classe trabalhadora.
Esses fatos desconfortáveis não penetraram no mundo da ideologia conservadora, no entanto. No começo do mês, o Comitê Orçamentário da Câmara, por instrução de Ryan, divulgou um relatório de 205 páginas sobre o suposto fracasso da guerra contra a pobreza. O que o relatório tem a dizer sobre o impacto da queda dos salários reais? Bem, o assunto jamais é mencionado.
E porque os conservadores não conseguem se forçar a reconhecer a realidade do que está acontecendo nos Estados Unidos, em termos de oportunidade, só lhes resta repetir os velhos refrões. Ryan, portanto, não foi desarticulado: ele disse o que disse porque é só isso que tem a dizer.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.
Leia as colunas anteriores
FSP- 17/03/2014.
PAUL KRUGMAN
Existem muitas coisas negativas a dizer sobre Paul Ryan, presidente do Comitê Orçamentário da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos e, para todos os efeitos, líder intelectual do Partido Republicano. Mas é necessário admitir que ele é um homem muito articulado, um especialista em fazer parecer que ele sabe sobre o que está falando.
Por isso é cômico, de certa maneira, ver Ryan tentando minimizar algumas declarações recentes nas quais atribuía a pobreza persistente a uma "cultura, especialmente em alguns centros urbanos decadentes, de os homens não trabalharem, de gerações inteiras de homens nem pensarem em trabalhar". Ryan agora diz que ao fazer essas declarações ele foi "desarticulado". Como é que alguém pode sugerir que ele estivesse repetindo refrões racistas? Ora, ele chegou até a citar trabalhos de acadêmicos importantes - gente como Charles Murray, mais conhecido por argumentar que os negros são geneticamente inferiores aos brancos. Ops, calma lá.
É bom deixar claro que não existem indicações de que Ryan seja racista, como pessoa, e seu uso de um clichê racial talvez nem tenha sido deliberado. Ele disse o que disse porque esse é o tipo de coisa que os conservadores dizem uns aos outros o tempo todo. E por que eles dizem coisas como essas? Porque o conservadorismo norte-americano continua a ser, depois de todos esses anos, propelido por alegações de que os progressistas estão tirando o dinheiro que ganhamos com nosso trabalho suado para dá-lo Àquelas Pessoas.
De fato, a raça é a Pedra de Roseta que ajuda a traduzir muitos aspectos de outro modo incompreensíveis da política norte-americana.
Dizem, por exemplo, que os conservadores são contra o governo grande e gastos públicos pesados. Mas no momento mesmo em que os governadores e Legislativos estaduais republicanos bloqueiam a expansão do programa federal de saúde Medicaid, o partido denuncia ferozmente algumas medidas modestas para reduzir os gastos com o Medicare, outro programa federal de saúde. Como explicar essa contradição? Bem, basta ver com quem muitos beneficiários do Medicare se parecem - e estou falando de cor de pele, e não de caráter. Pronto, mistério resolvido.
Ou dizem que os conservadores, especialmente o movimento Tea Party, se opõem à assistência social porque acreditam em responsabilidade pessoal, em uma sociedade na qual as pessoas precisam arcar com as consequências de suas ações. Mas é difícil encontrar críticas ferozes do Tea Party aos imensos resgates a Wall Street, às imensas bonificações pagas a executivos salvos do desastre por intervenções e garantias do governo. Em lugar disso, toda a paixão do movimento, a começar pelo famoso surto de indignação de Rick Santelli na CNBC, é dirigida contra qualquer indício de um esforço para ajudar os devedores de baixa renda. E o que exatamente, nesses devedores, os torna tamanhos alvos de ira? Você sabe a resposta.
Uma estranha consequência de nossa política ainda dividida em linhas raciais é que os conservadores continuam, na prática, a se mobilizar contra os vagabundos sustentados pela Estado de bem-estar social ainda que nem os vagabundos e nem o Estado de bem-estar social existam mais, se é que existiram um dia. A fúria de Santelli era voltada a medidas de resgate a mutuários devedores em seus financiamentos residenciais que na realidade nunca entraram em vigor. E a teoria de Ryan sobre a pobreza, a de que os homens negros não querem trabalhar, está defasada em décadas.
Nos anos 70, ainda era possível alegar, de boa fé, que havia oportunidades abundantes nos Estados Unidos, e que a pobreza só persistia devido a uma crise cultural entre os negros norte-americanos. Na época, afinal, os empregos industriais continuavam a pagar bem e o desemprego era baixo. Mas a realidade é que as oportunidades eram muito menos abundantes do que os norte-americanos ricos imaginavam; como documentou o sociólogo William Julius Wilson, a fuga da indústria antes instalada nos centros urbanos significou que os trabalhadores das minorias literalmente não tinham como chegar àqueles bons empregos, e a suposta causa cultural da pobreza era na verdade efeito da falta de oportunidade. Ainda assim, é compreensível que muitos observadores não tenham percebido isso.
Mas ao longo dos últimos 40 anos, os bons empregos para trabalhadores comuns desapareceram, e não só nos centros urbanos mas em toda parte: ponderados pela inflação do período, os salários de 60% dos norte-americanos de classe trabalhadora caíram, no período. E à medida que as oportunidades econômicas encolhiam para metade da população, muitos comportamentos que costumavam ser apontados como prova da deterioração da cultura negra - casamentos dissolvidos, abuso de drogas e assim por diante - se espalharam também entre os brancos da classe trabalhadora.
Esses fatos desconfortáveis não penetraram no mundo da ideologia conservadora, no entanto. No começo do mês, o Comitê Orçamentário da Câmara, por instrução de Ryan, divulgou um relatório de 205 páginas sobre o suposto fracasso da guerra contra a pobreza. O que o relatório tem a dizer sobre o impacto da queda dos salários reais? Bem, o assunto jamais é mencionado.
E porque os conservadores não conseguem se forçar a reconhecer a realidade do que está acontecendo nos Estados Unidos, em termos de oportunidade, só lhes resta repetir os velhos refrões. Ryan, portanto, não foi desarticulado: ele disse o que disse porque é só isso que tem a dizer.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Paul Krugman é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do jornal "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados.
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sábado, 15 de março de 2014
SOBRE CARGA TRIBUTÁRIA E SERVIÇOS PÚBLICOS NO BRASIL E NA SUÉCIA
Com relação ao post anterior, em que estudo patrocinado pela BBC mostra que os ricos do Brasil são os que menos pagam impostos entre os países do G-20, é preciso agregar que Suécia, Dinamarca, Noruega ou Finlândia não entram nesse grupo de países. Na Escandinávia, rico para em média 55% de sua renda em impostos. No entanto, lá apresenta o melhor nível de desenvolvimento humano e a menor desigualdade do mundo. Na conta do G-20, lembrem-se que a carga dos ricos é diluída pela carga tributária de países mais pobres e desiguais como Indonésia, Índia, África do Sul ou México. Logo, a situação do Brasil é bem pior do que se imagina.
Agora, há uma mitificação feita pela imprensa com relação à carga tributária no Brasil, em torno de 36% do PIB, e a qualidade dos serviços públicos. Desconsiderando o peso dos juros da dívida interna (cujos recursos vão para os mais ricos), a corrupção enraizada no serviço público (e nos fornecedores do Estado) e ainda a falta de profissionalismo de grande parte dos servidores do Estado, há um fato inquestionável para entender porque a qualidade do serviço público no Brasil é ruim em comparação com os países desenvolvidos: A FALTA DE RECURSOS! Façamos os cálculos:
A renda per capita do Brasil é de US$10.000,00. Com a atual carga tributária, cada brasileiro, em média, contribuiu com US$ 3.600,00 por ano.
A renda per capita da Suécia é de US$ 35.000,00. Com a mesma carga tributária do Brasil, um sueco pagaria US$12.600,00, ou seja, 3 vezes e meia a mais que o brasileiro. Dito de outra maneira: mesmo se a carga tributária do Brasil fosse de 100%, ainda assim o Brasil não poderia oferecer os mesmos serviços e com a mesma qualidade que os suecos. É fato!
A toda esta conta, junte-se mais um ingrediente: SONEGAÇÃO. Na dívida ativa do governo, há pelo menos 1 trilhão de reais de impostos sonegados. Pergunta: quem sonega, o trabalhador, cujo imposto já vem cobrado em folha salarial ou nos produtos consumidos, ou o andar de cima da sociedade, como empresários, fazendeiros, médicos, advogados, banqueiros e tantos outros cuja renda não é fiscalizada pelo governo, ou porque corrompem auditores fiscais ou ainda porque pagam os caríssimos advogados tributarista para sonegar "dentro da lei"?
Por que será que a FIESP, a Rede Globo e a FEBRABAN jogaram tão pesado para a extinção da CPMF, cujo peso no bolso dos mais pobres era ínfimo, mas significaria uma grande injeção de recursos no SUS?
Agora, há uma mitificação feita pela imprensa com relação à carga tributária no Brasil, em torno de 36% do PIB, e a qualidade dos serviços públicos. Desconsiderando o peso dos juros da dívida interna (cujos recursos vão para os mais ricos), a corrupção enraizada no serviço público (e nos fornecedores do Estado) e ainda a falta de profissionalismo de grande parte dos servidores do Estado, há um fato inquestionável para entender porque a qualidade do serviço público no Brasil é ruim em comparação com os países desenvolvidos: A FALTA DE RECURSOS! Façamos os cálculos:
A renda per capita do Brasil é de US$10.000,00. Com a atual carga tributária, cada brasileiro, em média, contribuiu com US$ 3.600,00 por ano.
A renda per capita da Suécia é de US$ 35.000,00. Com a mesma carga tributária do Brasil, um sueco pagaria US$12.600,00, ou seja, 3 vezes e meia a mais que o brasileiro. Dito de outra maneira: mesmo se a carga tributária do Brasil fosse de 100%, ainda assim o Brasil não poderia oferecer os mesmos serviços e com a mesma qualidade que os suecos. É fato!
A toda esta conta, junte-se mais um ingrediente: SONEGAÇÃO. Na dívida ativa do governo, há pelo menos 1 trilhão de reais de impostos sonegados. Pergunta: quem sonega, o trabalhador, cujo imposto já vem cobrado em folha salarial ou nos produtos consumidos, ou o andar de cima da sociedade, como empresários, fazendeiros, médicos, advogados, banqueiros e tantos outros cuja renda não é fiscalizada pelo governo, ou porque corrompem auditores fiscais ou ainda porque pagam os caríssimos advogados tributarista para sonegar "dentro da lei"?
Por que será que a FIESP, a Rede Globo e a FEBRABAN jogaram tão pesado para a extinção da CPMF, cujo peso no bolso dos mais pobres era ínfimo, mas significaria uma grande injeção de recursos no SUS?
EXPLICAÇÃO PARA A DESIGUALDADE DO BRASIL: Rico é menos taxado no Brasil do que na maioria do G20
Do G1: http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/03/rico-e-menos-taxado-no-brasil-do-que-na-maioria-do-g20.html
Sistema tributário brasileiro penaliza mais os pobres, mostram estudos.
Da BBC
Reclamar dos impostos é hábito comum da elite brasileira. Mas uma comparação internacional mostra que a parcela mais abastada da população não paga tantos tributos assim. Estudos indicam que são justamente os mais pobres que mais contribuem para custear os serviços públicos no país.
Levantamento da PricewaterhouseCoopers (PWC) feito com exclusividade para a BBC Brasil revela que o imposto de renda cobrado da classe média alta e dos ricos no Brasil é menor que o praticado na grande maioria dos países do G20 - grupo que reúne as 19 nações de maior economia do mundo mais a União Europeia.
Quem ganha mais no Brasil?
* 111.893 recebem mais de R$ 20 mil por mês
* 23.554 recebem mais de R$ 45 mil por mês
* 11.851 recebem mais de R$ 75 mil por mês
A consultoria comparou três faixas de renda anual: 70 mil libras, 150 mil libras e 250 mil libras - renda média mensal de cerca de R$ 23 mil, R$ 50 mil e R$ 83 mil, respectivamente, valores que incorporam mensalmente o décimo terceiro salário, no caso dos que o recebem.
Nas três comparações, os brasileiros pagam menos imposto de renda do que a maioria dos contribuintes dos 19 países do G20.
Nas duas maiores faixas de renda analisadas, o Brasil é o terceiro país de menor alíquota. O contribuinte brasileiro que ganha mensalmente, por exemplo, cerca de R$ 50 mil fica com 74% desse valor após descontar o imposto. Na média dos 19 países, o que resta após o pagamento do imposto é 67,5%.
Já na menor faixa analisada, o Brasil é o quarto país que menos taxa a renda, embora nesse caso a distância em relação aos demais diminua. Quem ganha por ano o equivalente a 75 mil libras (cerca de R$ 23 mil por mês), tem renda líquida de 75,5% no Brasil e de 72% na média do G20.
As maiores alíquotas são típicas de países europeus, onde há sistemas de bem estar social consolidados, mas estão presentes também em alguns países emergentes.
Na Itália, por exemplo, praticamente metade da renda das pessoas de classe média alta ou ricas vai para os cofres públicos. Na Índia, cerca de 40% ou mais, assim como no Reino Unido e na África do Sul, quando consideradas as duas faixas de renda mais altas em análise.
Carga alta
Apesar de a comparação internacional revelar que os brasileiros mais abastados pagam menos imposto de renda, a carga tributária brasileira - ou seja, a relação entre tudo que é arrecadado em tributos e a renda total do país (o PIB) - é mais alta que a média.
Na média do G20, 26% da renda gerada no país vai para os governos por meio de impostos, enquanto no Brasil o índice é de 35%, mostram dados compilados pela Heritage Foundation. No grupo, apenas os países da Europa ocidental têm carga tributária maior - França e Itália são as campeãs, com mais de 40%.
O que está por trás do tamanho da carga tributária brasileira é o grande volume de impostos indiretos, ou seja, tributos que incidem sobre produção e comercialização - que no fim das contas são repassados ao consumidor final.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), impostos indiretos representam cerca de 40% da carga tributária brasileira, enquanto os diretos (impostos sobre renda e capital) são 28%. Contribuições previdenciárias são outra parcela relevante.
O grande problema é que esses impostos indiretos são iguais para todos e por isso acabam, proporcionalmente, penalizando mais os mais pobres. Por exemplo, o tributo pago quando uma pessoa compra um saco de arroz ou um bilhete de metrô será o mesmo, independentemente de sua renda. Logo, significa uma proporção maior da remuneração de quem ganha menos.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), impostos indiretos representam cerca de 40% da carga tributária brasileira, enquanto os diretos (impostos sobre renda e capital) são 28%. Contribuições previdenciárias são outra parcela relevante.
O governo taxa mais a produção e o consumo porque esse tipo de tributo é mais fácil de fiscalizar que o cobrado sobre a renda, observa o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, João Eloi Olenike.
'De tanto se preocupar em combater a sonegação, o governo acaba criando injustiças tributárias', afirma.
Concentração de renda
Os governos federal, estaduais e municipais administram juntos uma fatia muito relevante da renda nacional. Por isso, a forma como arrecadam e gastam tem impacto direto na distribuição de renda.
Se por um lado os benefícios sociais e os gastos com saúde e educação públicas contribuem para a redução da desigualdade, o fato do poder público taxar proporcionalmente mais os pobres significa que ao arrecadar os tributos atua no sentido oposto, de concentrar renda.
Um estudo de economistas do Ipea e da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que, no Brasil, o Índice de Gini - indicador que mede a concentração de renda - sobe após a arrecadação de impostos e recua após os gastos públicos.
Segundo estimativas com dados de 2009, o índice era de 0,591, ao se considerar a renda original da população (antes do recebimento de benefícios sociais e tributos). O número recuava para 0,560 após o pagamento de benefícios como aposentadorias, pensões e Bolsa Família, mas subia novamente para 0,565 após considerar o pagamento de tributos.
O índice volta a cair após se analisar os impactos dos gastos públicos que mais reduzem a distribuição de renda são as despesas com saúde e educação, já que a maioria dos beneficiários desses serviços são os mais pobres. A partir de dados oficias sobre o uso desses serviços, os economistas estimaram que esses gastos públicos reduziam o índice de Gini para 0,479 em 2009.
O saldo geral disso tudo é que, após o governo arrecadar e gastar, a desigualdade de renda caía 19% naquele ano. Mas num país tão desigual, a queda precisa ser maior, afirma Fernado Gaiger, um dos autores da pesquisa: 'O tributo tem uma função de coesão social'.
Não há boas comparações internacionais recentes disponíveis para a questão, mas um estudo de anos atrás do Banco Mundial, indica que em países europeus a queda da desigualdade é de mais de 30% após a intervenção do Estado, mesmo sem se considerar os gastos em saúde e educação.
Mudanças nos impostos
Os quatro especialistas ouvidos pela BBC Brasil defenderam a redução dos impostos indiretos, que penalizam mais os pobres, e a elevação da taxação sobre renda, propriedade e herança. 'Seria uma questão de justiça tributária', diz o especialista em contas públicas Mansueto Almeida.
Gaiger, por exemplo, propõe que haja mais duas alíquotas de Imposto de Renda - uma de 35% para quem ganha por mês entre R$ 6.000 e R$ 13.700 e outra de 45% para quem recebe mais que isso.
Hoje, a taxa máxima é de 27,5%, para todos que recebem acima de R$ 4.463,81. Muitos não sabem, mas essas alíquotas são 'marginais'. Ou seja, apenas a parcela da renda acima desse limite é tributado pela alíquota máxima, não a renda toda.
No entanto, os especialistas observam que embora seja justo ter mais alíquotas, isso não tem impacto relevante em termos de arrecadação, porque uma parcela muito pequena da população tem renda dessa magnitude. Segundo o IBGE, apenas 111.893 pessoas em todo o país diseram ao Censo de 2010 receber mais de R$ 20 mil por mês.
Para 2014, a previsão é de que a Receita Federal deixará de arracadar R$ 35,2 bilhões por causas de descontos e inseções desse tipo. Desse total, R$ 10,7 bilhões são deduções de gastos com saúde e R$ 4,1 bilhão de gastos com educação - somados equivalem a 13% do total dos gastos federais previstos para as duas áreas neste ano (R$ 113,6 bilhões).
Impostos de mais?
Apesar de ser lugar comum criticar o tamanho da carga tributária do Brasil, estudiosos do tema dizem que não há um número ideal.
O mais importante, defendem, é reduzir as possibilidades de descontos no Imposto de Renda. Hoje, por exemplo, é possível abater do imposto devido gastos privados com saúde e educação. Na prática, isso significa que o Estado está subsidiando serviços privados justamente para a parcela da população de maior renda, ou seja, que precisa menos. 'É o bolsa rico', diz Gaiger.
'O tamanho da carga é uma escolha da sociedade. Se as pessoas quiserem serviços públicos universais e benefícios sociais, o recolhimento de impostos terá que ser maior. Se quisermos que o educação e a saúde seja apenas privada, por exemplo, a carga poderá ser menor', observa Samuel Pessoa, da FGV.
Na sua avaliação, a discussão mais importante não é a redução da carga tributária, mas mudar sua estrutura e simplificá-la, para diminuir as desigualdades e reduzir os custos das empresas com burocracia.
Sistema tributário brasileiro penaliza mais os pobres, mostram estudos.
Da BBC
Reclamar dos impostos é hábito comum da elite brasileira. Mas uma comparação internacional mostra que a parcela mais abastada da população não paga tantos tributos assim. Estudos indicam que são justamente os mais pobres que mais contribuem para custear os serviços públicos no país.
Levantamento da PricewaterhouseCoopers (PWC) feito com exclusividade para a BBC Brasil revela que o imposto de renda cobrado da classe média alta e dos ricos no Brasil é menor que o praticado na grande maioria dos países do G20 - grupo que reúne as 19 nações de maior economia do mundo mais a União Europeia.
Quem ganha mais no Brasil?
* 111.893 recebem mais de R$ 20 mil por mês
* 23.554 recebem mais de R$ 45 mil por mês
* 11.851 recebem mais de R$ 75 mil por mês
A consultoria comparou três faixas de renda anual: 70 mil libras, 150 mil libras e 250 mil libras - renda média mensal de cerca de R$ 23 mil, R$ 50 mil e R$ 83 mil, respectivamente, valores que incorporam mensalmente o décimo terceiro salário, no caso dos que o recebem.
Nas três comparações, os brasileiros pagam menos imposto de renda do que a maioria dos contribuintes dos 19 países do G20.
Nas duas maiores faixas de renda analisadas, o Brasil é o terceiro país de menor alíquota. O contribuinte brasileiro que ganha mensalmente, por exemplo, cerca de R$ 50 mil fica com 74% desse valor após descontar o imposto. Na média dos 19 países, o que resta após o pagamento do imposto é 67,5%.
Já na menor faixa analisada, o Brasil é o quarto país que menos taxa a renda, embora nesse caso a distância em relação aos demais diminua. Quem ganha por ano o equivalente a 75 mil libras (cerca de R$ 23 mil por mês), tem renda líquida de 75,5% no Brasil e de 72% na média do G20.
As maiores alíquotas são típicas de países europeus, onde há sistemas de bem estar social consolidados, mas estão presentes também em alguns países emergentes.
Na Itália, por exemplo, praticamente metade da renda das pessoas de classe média alta ou ricas vai para os cofres públicos. Na Índia, cerca de 40% ou mais, assim como no Reino Unido e na África do Sul, quando consideradas as duas faixas de renda mais altas em análise.
Carga alta
Apesar de a comparação internacional revelar que os brasileiros mais abastados pagam menos imposto de renda, a carga tributária brasileira - ou seja, a relação entre tudo que é arrecadado em tributos e a renda total do país (o PIB) - é mais alta que a média.
Na média do G20, 26% da renda gerada no país vai para os governos por meio de impostos, enquanto no Brasil o índice é de 35%, mostram dados compilados pela Heritage Foundation. No grupo, apenas os países da Europa ocidental têm carga tributária maior - França e Itália são as campeãs, com mais de 40%.
O que está por trás do tamanho da carga tributária brasileira é o grande volume de impostos indiretos, ou seja, tributos que incidem sobre produção e comercialização - que no fim das contas são repassados ao consumidor final.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), impostos indiretos representam cerca de 40% da carga tributária brasileira, enquanto os diretos (impostos sobre renda e capital) são 28%. Contribuições previdenciárias são outra parcela relevante.
O grande problema é que esses impostos indiretos são iguais para todos e por isso acabam, proporcionalmente, penalizando mais os mais pobres. Por exemplo, o tributo pago quando uma pessoa compra um saco de arroz ou um bilhete de metrô será o mesmo, independentemente de sua renda. Logo, significa uma proporção maior da remuneração de quem ganha menos.
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), impostos indiretos representam cerca de 40% da carga tributária brasileira, enquanto os diretos (impostos sobre renda e capital) são 28%. Contribuições previdenciárias são outra parcela relevante.
O governo taxa mais a produção e o consumo porque esse tipo de tributo é mais fácil de fiscalizar que o cobrado sobre a renda, observa o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, João Eloi Olenike.
'De tanto se preocupar em combater a sonegação, o governo acaba criando injustiças tributárias', afirma.
Concentração de renda
Os governos federal, estaduais e municipais administram juntos uma fatia muito relevante da renda nacional. Por isso, a forma como arrecadam e gastam tem impacto direto na distribuição de renda.
Se por um lado os benefícios sociais e os gastos com saúde e educação públicas contribuem para a redução da desigualdade, o fato do poder público taxar proporcionalmente mais os pobres significa que ao arrecadar os tributos atua no sentido oposto, de concentrar renda.
Um estudo de economistas do Ipea e da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que, no Brasil, o Índice de Gini - indicador que mede a concentração de renda - sobe após a arrecadação de impostos e recua após os gastos públicos.
Segundo estimativas com dados de 2009, o índice era de 0,591, ao se considerar a renda original da população (antes do recebimento de benefícios sociais e tributos). O número recuava para 0,560 após o pagamento de benefícios como aposentadorias, pensões e Bolsa Família, mas subia novamente para 0,565 após considerar o pagamento de tributos.
O índice volta a cair após se analisar os impactos dos gastos públicos que mais reduzem a distribuição de renda são as despesas com saúde e educação, já que a maioria dos beneficiários desses serviços são os mais pobres. A partir de dados oficias sobre o uso desses serviços, os economistas estimaram que esses gastos públicos reduziam o índice de Gini para 0,479 em 2009.
O saldo geral disso tudo é que, após o governo arrecadar e gastar, a desigualdade de renda caía 19% naquele ano. Mas num país tão desigual, a queda precisa ser maior, afirma Fernado Gaiger, um dos autores da pesquisa: 'O tributo tem uma função de coesão social'.
Não há boas comparações internacionais recentes disponíveis para a questão, mas um estudo de anos atrás do Banco Mundial, indica que em países europeus a queda da desigualdade é de mais de 30% após a intervenção do Estado, mesmo sem se considerar os gastos em saúde e educação.
Mudanças nos impostos
Os quatro especialistas ouvidos pela BBC Brasil defenderam a redução dos impostos indiretos, que penalizam mais os pobres, e a elevação da taxação sobre renda, propriedade e herança. 'Seria uma questão de justiça tributária', diz o especialista em contas públicas Mansueto Almeida.
Gaiger, por exemplo, propõe que haja mais duas alíquotas de Imposto de Renda - uma de 35% para quem ganha por mês entre R$ 6.000 e R$ 13.700 e outra de 45% para quem recebe mais que isso.
Hoje, a taxa máxima é de 27,5%, para todos que recebem acima de R$ 4.463,81. Muitos não sabem, mas essas alíquotas são 'marginais'. Ou seja, apenas a parcela da renda acima desse limite é tributado pela alíquota máxima, não a renda toda.
No entanto, os especialistas observam que embora seja justo ter mais alíquotas, isso não tem impacto relevante em termos de arrecadação, porque uma parcela muito pequena da população tem renda dessa magnitude. Segundo o IBGE, apenas 111.893 pessoas em todo o país diseram ao Censo de 2010 receber mais de R$ 20 mil por mês.
Para 2014, a previsão é de que a Receita Federal deixará de arracadar R$ 35,2 bilhões por causas de descontos e inseções desse tipo. Desse total, R$ 10,7 bilhões são deduções de gastos com saúde e R$ 4,1 bilhão de gastos com educação - somados equivalem a 13% do total dos gastos federais previstos para as duas áreas neste ano (R$ 113,6 bilhões).
Impostos de mais?
Apesar de ser lugar comum criticar o tamanho da carga tributária do Brasil, estudiosos do tema dizem que não há um número ideal.
O mais importante, defendem, é reduzir as possibilidades de descontos no Imposto de Renda. Hoje, por exemplo, é possível abater do imposto devido gastos privados com saúde e educação. Na prática, isso significa que o Estado está subsidiando serviços privados justamente para a parcela da população de maior renda, ou seja, que precisa menos. 'É o bolsa rico', diz Gaiger.
'O tamanho da carga é uma escolha da sociedade. Se as pessoas quiserem serviços públicos universais e benefícios sociais, o recolhimento de impostos terá que ser maior. Se quisermos que o educação e a saúde seja apenas privada, por exemplo, a carga poderá ser menor', observa Samuel Pessoa, da FGV.
Na sua avaliação, a discussão mais importante não é a redução da carga tributária, mas mudar sua estrutura e simplificá-la, para diminuir as desigualdades e reduzir os custos das empresas com burocracia.
quarta-feira, 12 de março de 2014
E-BOOK GRATUITO: REFLEXÕES SOBRE A PAZ - Organizado por Rafael Salatini
Meus Caros,
A Unesp acaba de publicar o livro 'Reflexões sobre a Paz", organizado por Rafael Salatini.
O sumário do livro é este:
Apresentação
Rafael Salatini............................................................................................ 5
Parte I:
I Encontro Reflexões sobre a Paz
Irene ri: a paz como ideal na comédia de Aristófanes
Adriane da Silva Duarte.............................................................................. 17
O tema da paz perpétua
Rafael Salatini............................................................................................ 33
A paz reexaminada
Luiz Paulo Rouanet..................................................................................... 51
A proteção internacional das minorias
Soraya Nour ............................................................................................... 69
Precariedade e primitivismo do sistema internacional
Ricardo Seitenfus......................................................................................... 85
As operações de paz como ferramenta para a construção da paz
Sérgio Luiz Cruz Aguilar............................................................................. 101
Parte II
Contribuições para a Reflexão sobre a Paz
A contribuição histórica do direito internacional público para a
consecução da paz
José Blanes Sala........................................................................................... 119
Paz, desenvolvimento e integração: o espaço sul-americano na política
externa de Lula da Silva
Roberto Goulart Menezes............................................................................. 137
África subsaariana: considerações sobre paz, inseguridade e crises
Claudio Oliveira Ribeiro; Natalia N. Fingermann........................................ 159
Guerra e paz na região dos “Grandes Lagos” da África: A justiça e os refugiados de
Ruanda perante o genocídio de 1994
César Augusto S. da Silva............................................................................. 179
A paz como estratégia de desenvolvimento chinês: dos “cinco princípios
de coexistência pacífica” ao princípio de “desenvolvimento pacífico”
Marcos Cordeiro Pires; Thais Caroline Lacerda Mattos................................... 201
Súmulas biográficas......................................................................................
O livro está disponível para download em: www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/reflexoes-sobre-a-paz.pdf.
A Unesp acaba de publicar o livro 'Reflexões sobre a Paz", organizado por Rafael Salatini.
O sumário do livro é este:
Apresentação
Rafael Salatini............................................................................................ 5
Parte I:
I Encontro Reflexões sobre a Paz
Irene ri: a paz como ideal na comédia de Aristófanes
Adriane da Silva Duarte.............................................................................. 17
O tema da paz perpétua
Rafael Salatini............................................................................................ 33
A paz reexaminada
Luiz Paulo Rouanet..................................................................................... 51
A proteção internacional das minorias
Soraya Nour ............................................................................................... 69
Precariedade e primitivismo do sistema internacional
Ricardo Seitenfus......................................................................................... 85
As operações de paz como ferramenta para a construção da paz
Sérgio Luiz Cruz Aguilar............................................................................. 101
Parte II
Contribuições para a Reflexão sobre a Paz
A contribuição histórica do direito internacional público para a
consecução da paz
José Blanes Sala........................................................................................... 119
Paz, desenvolvimento e integração: o espaço sul-americano na política
externa de Lula da Silva
Roberto Goulart Menezes............................................................................. 137
África subsaariana: considerações sobre paz, inseguridade e crises
Claudio Oliveira Ribeiro; Natalia N. Fingermann........................................ 159
Guerra e paz na região dos “Grandes Lagos” da África: A justiça e os refugiados de
Ruanda perante o genocídio de 1994
César Augusto S. da Silva............................................................................. 179
A paz como estratégia de desenvolvimento chinês: dos “cinco princípios
de coexistência pacífica” ao princípio de “desenvolvimento pacífico”
Marcos Cordeiro Pires; Thais Caroline Lacerda Mattos................................... 201
Súmulas biográficas......................................................................................
O livro está disponível para download em: www.marilia.unesp.br/Home/Publicacoes/reflexoes-sobre-a-paz.pdf.
domingo, 9 de março de 2014
DEMOCRACIA E LIBERDADE DE IMPRENSA
Em 21 de janeiro de 2014, o Prêmio Nobel de Literatura, o peruano Mario Vargas Llosa, escreveu um artigo no jornal espanhol El Pais contestando a concentração da mídia em seu país. Segundo ele: “o fato de haver uma economia de mercado e respeito à propriedade privada não basta para, por si só, garantir a liberdade de imprensa em um país. Esta se vê ameaçada também se um grupo econômico passa a controlar de maneira significativamente majoritária os meios de comunicação escritos ou audiovisuais”.
Cabe lembrar que Vargas Lllosa não é nenhum esquerdista para falar mal da imprensa, logo, aqueles mais reacionários jamais poderão acusá-lo de ofender as liberdades individuais. Quando os governos de Venezuela, Bolívia e Equador criam uma legislação para democratizar a mídia e evitar a concentração, são acusados de ditadores. Quando o governo da Argentina cria uma “Ley de Medios” para quebrar o monopólio do Grupo Clarin, trata-se de uma medida de perseguição política da parte de um governo populista.
Agora, o que podem falar os reacionários quando o governo de direita do México, dirigido por Enrique Peña Nieto, promulga uma lei para desconcentrar a mídia, algo de afeta dois gigantes do mercado: a TELEVISA, maior grupo de televisão da América Latina, e a América Movil, do bilionário Carlos Slims, que aqui no Brasil controla a Claro, a Embratel e a NET. Tal lei surgiu de um pacto entre todos os partidos mexicanos para evitar que o poder midiático corrompa o sistema democrático.
Já no Brasil, o último país que acabou com a escravidão, o único país da região que se tornou um Império depois da independência, o único país da América do Sul a criar uma Comissão da Verdade, um país reacionário por natureza, quando se menciona quebrar o monopólio das organizações Globo o mundo vem abaixo. Não há como pensar em democracia no Brasil sem enfrentar o poder que poucas famílias têm de manipular e distorcer informações. Veja o exemplo da Petrobrás: comparativamente à Chevron, Exxon, Shell e BP, a empresa vai muito bem, obrigado! Mas por que a mídia quer desmoralizar a Petrobrás? Para comprar ações baratas ou para fustigar o governo? Ou ambos?
Cabe lembrar que Vargas Lllosa não é nenhum esquerdista para falar mal da imprensa, logo, aqueles mais reacionários jamais poderão acusá-lo de ofender as liberdades individuais. Quando os governos de Venezuela, Bolívia e Equador criam uma legislação para democratizar a mídia e evitar a concentração, são acusados de ditadores. Quando o governo da Argentina cria uma “Ley de Medios” para quebrar o monopólio do Grupo Clarin, trata-se de uma medida de perseguição política da parte de um governo populista.
Agora, o que podem falar os reacionários quando o governo de direita do México, dirigido por Enrique Peña Nieto, promulga uma lei para desconcentrar a mídia, algo de afeta dois gigantes do mercado: a TELEVISA, maior grupo de televisão da América Latina, e a América Movil, do bilionário Carlos Slims, que aqui no Brasil controla a Claro, a Embratel e a NET. Tal lei surgiu de um pacto entre todos os partidos mexicanos para evitar que o poder midiático corrompa o sistema democrático.
Já no Brasil, o último país que acabou com a escravidão, o único país da região que se tornou um Império depois da independência, o único país da América do Sul a criar uma Comissão da Verdade, um país reacionário por natureza, quando se menciona quebrar o monopólio das organizações Globo o mundo vem abaixo. Não há como pensar em democracia no Brasil sem enfrentar o poder que poucas famílias têm de manipular e distorcer informações. Veja o exemplo da Petrobrás: comparativamente à Chevron, Exxon, Shell e BP, a empresa vai muito bem, obrigado! Mas por que a mídia quer desmoralizar a Petrobrás? Para comprar ações baratas ou para fustigar o governo? Ou ambos?
quarta-feira, 5 de março de 2014
CARTA CAPITAL: Entrevista - Luiz Alberto Moniz Bandeira: A Segunda Guerra Fria
Entrevista - Luiz Alberto Moniz Bandeira
À diferença do conflito original do século XX, desta vez a briga não se alimenta da ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA e da Rússia
por André Barrocal — publicado 05/03/2014 12:28
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AFP PHOTO / VIKTOR Drachev
tropas russas
Membros das tropas russas montam guarda perto do navio da marinha ucraniana no porto da cidade ucraniana de Sevastopol
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O brasileiro que se desligou do mundo e caiu na folia durante o Carnaval tem motivos para um certo déjà vu ao voltar à realidade nesta quarta-feira de Cinzas. Em um lugar de nome esquisito e bem longe do Brasil, Estados Unidos e Rússia travam uma batalha diplomática que corre o risco de descambar para as armas. Aliados a forças locais distintas de um país em ebulição, Moscou e Washington lutam para que o poder caia nas mãos de um governo alinhado. E parece não haver meio termo: ou se está afinado com um lado ou com o outro. A Guerra Fria ressuscitou?
A crise na Ucrânia, aguçada com a queda do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich em 22 de fevereiro, tem muitos dos ingredientes da disputa “capitalistas x comunistas” que rachou o globo após a II Guerra Mundial. No sábado 1°, o parlamento russo autorizou o presidente Vladimir Putin a enviar tropas à Ucrânia para defender instalações militares e cidadãos russos naquele país, cuja parte leste tem forte identidade com Moscou. Na terça-feira 4, Putin chamou de “golpe de Estado” a queda de Yanukovich e admitiu usar a autorização parlamentar. No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, foi à Ucrânia manifestar o apoio de Washington ao governo de transição e acenar com 1 bilhão de dólares de ajuda.
Estes lances encaixam-se no que se poderia chamar de uma “segunda guerra fria”. À diferença do conflito original do século XX, porém, não se alimenta de ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA. O fenômeno foi descrito no livro “A Segunda Guerra Fria”, lançado no ano passado pelo cientista político, historiador e professor aposentado de política exterior do Brasil Luiz Alberto Moniz Bandeira.
Desde os anos 90, diz o livro, os EUA dão importância crescente à Eurásia, região onde está a Ucrânia. Em 1994, o Departamento de Energia norte-americano identificou o Mar Cáspio, próximo da Ucrânia, como uma das maiores fontes de petróleo do globo. Uma baita descoberta para quem não sobrevive sem petróleo importado. E mais ainda porque a principal fonte conhecida, o Golfo Pérsico, é um caldeirão de antiamericanismo islâmico. Dali em diante, diz Moniz Bandeira, a prioridade geopolítica dos EUA consistiu em atrair os governos de países da região do Cáucaso, alguns dos quais pertenciam à ex-URSS. Washington fez isso inclusive mediante o envolvimento militar e uma política de regime change, ou seja, desestabilizando governos eleitos.
Na década passada, houve uma leva de vitoriosas “revoluções coloridas” contra regimes na região do Cáucaso: a Rosa na Georgia (2003), a Lilás no Quirquistão (2005) e a Laranja na Ucrânia (2004/2005). As três, diz Moniz Bandeira, foram incentivadas pelos EUA com um modus operandi batizado de “guerra fria revolucionária”: ONGs defensoras dos valores norte-americanos instigaram as populações locais contra os governos e as estimularam a ir às ruas, tudo descrito pela mídia internacional como revoltas espontâneas e democráticas.
O que acontece agora na Ucrânia, diz Moniz Bandeira, é uma reedição da “Revolução Laranja” de dez anos atrás. O problema – não só no caso da Ucrânia como nas demais revoluções coloridas - é que as turbulências ocorrem muito perto das fronteiras da Rússia. Um país que, sob Putin, superou a crise econômica decorrente do colapso da URSS e voltou a pensar-se como superpotência.
A seguir, o leitor confere os principais trechos da entrevista concedida por e-mail por Moniz Bandeira, que mora na Alemanha.
CartaCapital: Os EUA estão por trás das turbulências na Ucrânia?
Moniz Bandeira: Essa participação na subversão dos regimes na Eurásia é comprovadamente antiga. Na edição de 24 de novembro de 2003, o Wall Street Journal atribuiu o movimento contra o regime na Georgia a operações de um grande número de “organizações não-governamentais (...) apoiadas por fundações americanas e por outras fundações ocidentais”. E não pode haver maior evidência agora do que a participação aberta de dois senadores americanos - John McCain (Partido Republicano) e Christopher Murphy (Partido Democrata) - como líderes nas manifestações em Kiev. O economista Paul Craig Roberts, que foi secretário assistente do Tesouro no governo Reagan (1981-1989), escreveu que "a Ucrânia ou a parte ocidental do país está cheia de ONGs mantidas por Washington cujo objetivo é entregar a Ucrânia às garras da União Europeia, para que os bancos da União Europeia e dos Estados Unidos possam saquear o país como saquearam, por exemplo, a Letônia; e simultaneamente enfraquecer a Rússia, roubando-lhe uma parte tradicional e convertendo esta área em área reservada para bases militares de Estados Unidos-OTAN".
CC: Que interesses norte-americanos o governo deposto da Ucrânia ameaçaria? Que evidências disso o sr. apontaria?
MB: Não se trata de "ameaça". Nenhum país, evidentemente, ameaça os EUA. O problema é que o governo da Ucrânia não atende e não se submete aos interesses econômicos, geopolíticos e estratégicos de Washington. O presidente Viktor Yanukovych recusou-se a aderir à União Europeia e tendia a incorporar-se à União Econômica Eurasiana, cujo tratado o presidente Putin, como um grande estadista, está a negociar com as antigas repúblicas soviéticas. Esse tratado permitirá à Rússia conquistar dimensão estratégica e geopolítica de igual dimensão à da extinta União Soviética e voltar a constituir outro polo de poder internacional. O problema é a rivalidade dos EUA com a Rússia. A questão não é ideológica. É geoestratégica.
CC: Diria que a crise na Ucrânia é um prolongamento da Revolução Laranja?
MB: Claro que é uma nova Revolução Laranja. E não terminou. A Ucrânia está na órbita de gravitação da Rússia. E o governo que substitua o de Yushchenko não terá condições de resistir à sua vis attractiva [força atrativa], principalmente porque os EUA e a União Européia não têm condições de bancar financeiramente os problemas da Ucrânia e ainda por cima pagar a conta do gás que o país recebe da Rússia, com a qual tem enorme débito. Yushchenko era a favor do Ocidente quando assumiu a presidência da Ucrânia, porém, tal como seu antecessor, Leonid Kuchma, que solicitara adesão à OTAN em 2002, teve de mudar sua posição, diante da realidade geopolítica. A queda de Yushchenko seria certa se ele consumasse a adesão à OTAN. A Rússia não vai admitir a integração da Ucrânia na União Europeia. Ela possui uma base naval em Sebastobol e mais um porto em Odessa desde o reinado de Catarina, a Grande (1762 e 1796). A frota russa, baseada na península da Crimeia, controla o Mar Negro e as comunicações de importantes zonas energéticas (de reservas de gás e petróleo) através dos estreitos de Bósforo e Dardanelos com o Mar Mediterrâneo. A Criméia pertenceu à Rússia até 1954, e o povo em Kiev, com a queda de Yushchenko, está a demandar a secessão. A Rússia, decerto, não apoiará, abertamente, o separatismo. Porém, milhares de pessoas já estão nas ruas de Sebastopol a clamar "Rússia, Rússia, Rússia" com a bandeira russa e a gritar "Não nos renderemos a esse fascistas". A Crimeia tem cerca de 2 milhões de habitantes etnicamente russos, que não se submeterão ao governo dos fascistas em Kiev, apoiado pelo Ocidente. Em Simferopol, capital da Crimeia, com cerca de 350 mil habitantes, já estão sendo organizadas milícias para resistir a qualquer força de Kiev.
CC: O sr. parece identificar um padrão de intervenção não-violenta por parte dos EUA no pós-guerra fria. Um padrão a combinar a ação de ONGs e de líderes oposicionistas financiados por Washington com propaganda midiática. Diria que esta combinação está presente hoje na Ucrânia?
MB: Não há nenhum padrão de intervenção não-violenta dos EUA no pós-Guerra Fria. Os EUA intervém militarmente, de forma unilateral ou sob o manto da OTAN, quando podem. Intervieram na Líbia, mas não tiveram condições de fazê-lo na Síria, devido à oposição da Rússia e da China, embora continuem a financiar os rebeldes - na realidade, terroristas de Al Qa'ida e organizações similares. A guerra fria, portanto, continua, em uma etapa histórica superior, como demonstram os acontecimentos na Ucrânia, na Síria e nos demais países do Oriente Médio. Os EUA não deixaram de perceber a Rússia como seu principal adversário. De fato, a Rússia não perdeu, militarmente, nenhuma guerra. O que lá ocorreu foi a implosão de um regime socialista autárquico, inserido em uma economia internacional de mercado capitalista, da qual dependia e não podia desprender-se. Como sucessora jurídica da URSS, a Rússia herdou todo o seu potencial militar: cerca de 1.800 ogivas nucleares estratégicas operacionais e reservas de 2.700 ogivas, contra 1.950 ogivas operacionais e 2.500 ogivas de reserva dos EUA. O poderio militar das duas potências era equivalente. Após a dura crise econômica e política que atravessou nos anos 1990, a Rússia recuperou-se economicamente sob o governo Putin. E outra guerra fria, assim, recomeçou, uma vez que os EUA se empenham em implantar o full spectrum dominance [domínio de espectro total]. Na Ucrânia, um dos teatros onde as ONGs ocidentais impulsaram a cold revolutionary war em 2004-2005, a guerra fria reacendeu em 2013, uma vez que o governo recuou nas negociações para incorporar o país à União Europeia, o que podia abrir as portas para o estacionamento de tropas da OTAN dentro do seu território, conforme os EUA pretendem.
CC: Quais as ONGs vinculadas a Washington que mais se destacam na desestabilização de governos não-alinhados com os EUA?
MB: Essas ONGs, que promovem a política de export of democracy [exportação de democracia], são muito variadas, assumem nomes diferentes, embora os patrocinadores sejam virtualmente os mesmos: National Endowment for Democracy (NED), CIA e entidades civis, entre as quais Freedom House, a USAID [United States Agency for Cooperation International], o Open Society Institute (renomeado Open Society Foundations em 2011) do megainvestidor George Soros. Estas e outras organizações não-governamentais são uma fachada para promover mudança de governo sem que pareça golpe de Estado. Na Ucrânia, operam ONGs financiadas pela União Europeia.
CC: A crise na Ucrânia teria o mesmo peso e a mesma importância sem a cobertura dada pelas mídias locais e pela mídia mundial? Por quê?
MB: A Ucrânia é um país econômica e financeiramente muito debilitado. Seu governo, por diversos fatores e em distintas circunstâncias, cometeu muitos erros. E Washington trata de aproveitar as forças domésticas de oposição para fazer avançar seus interesses econômicos e geoestratégicos, através de ONGs financiadas pela NED, USAID, CIA e outras instituições públicas e privadas. Elas representam a mão invisível Washington nessas crises. Consciente ou inconscientemente, a mídia internacional serve como instrumento de psychological warfare [guerra psicológica], ao repetir e reproduzir como se tudo fossem demonstrações de massas e revoltas espontâneas. Isso vale particularmente para a BBC, a CNN e a Fox News. O fato é que o governo Obama continua a implementar uma estratégia para consolidar o full spectrum dominance estabelecido desde o governo George H. W. Bush. No atual contexto, isto significa que não interessa a Washington que a Ucrânia integre a União Econômica Eurasiana promovida pela Rússia.
CC: É possível para governos de países como a Ucrânia resistir à ofensiva da "guerra fria revolucionária" patrocinada por Washington? Por quê?
MB: Tudo depende das circunstâncias. É difícil prever. Apesar da decadência, os EUA são e serão uma superpotência por muitas décadas, enquanto o dólar for a moeda de reserva internacional. Militarmente, sem dúvida, os EUA nunca seriam derrotados. Mas uma superpotência devedora, cuja dívida pública se iguala ou mesmo supera sua produção de bens e serviços, uma superpotência que depende das importações, inclusive de capitais de outros países, para financiar guerras, sem as quais sua indústria bélica e toda a cadeia produtiva de tecnologia podem quebrar, não poder sustentar indefinidamente um sistema assim. Um dia, certamente, entrará em colapso. Certamente não mais estarei vivo. Mas o Império Americano, como todos os impérios, perecerá.
CC: Que desfecho considera mais provável para a crise na Ucrânia?
MB: Grande parte da oposição na Ucrânia é composta por elementos notoriamente fascistas. Eles são muito bem armados, muito bem organizados militarmente em companhias, patrulham as ruas em grupos de combate de dez pessoas, com capacetes e armas, alguns usando capacetes da divisão SS Galicia [região no Oeste da Ucrânia], que lutou ao lado dos nazistas alemães contra os soviéticos entre 1943 e 1945. Eles pertencem ao partido Svoboda, chefiado por Oleg Tiagnibog, forte especialmente no leste da Galícia, reduto da extrema-direita. Os chamados "ativistas" e "democratas" que fomentaram as demonstrações pro-União Europeia pertencem, em larga medida, a comandos do Svoboda e de outras tendências neonazistas e não escondem suas tendências xenófobas, racistas, anti-semitas e contra a Rússia. E foram com eles que os senadores americanos John McCain e Christopher Murphy se misturaram nas demonstrações contra o governo Yanukovych, democraticamente eleito e derrubado por um golpe, sob os aplausos dos EUA e da União Europeia. É muito provável que tais grupos neonazistas intentem a captura do poder em Kiev. Porém será difícil submeter a Crimeia.
CC: A Rússia jogou tudo o que podia diplomática e politicamente na atual crise na Ucrânia?
MB: A Rússia não jogou todas as suas cartas. O presidente Putin, que se revela o maior estadista da atualidade, sabe muito bem como dispor e lançar as pedras no xadrez da política internacional. Formado na KGB e havendo servido durante muitos anos na Alemanha Oriental, principal teatro do conflito Leste-Oeste, conhece muito bem como funciona a guerra nas sombras. A Ucrânia continuará ainda como cenário da segunda guerra fria e certamente a Rússia não aceitará, passivamente, que se integre na União Europeia. Haverá negociações ou derramamento de sangue. Quem viver verá.
À diferença do conflito original do século XX, desta vez a briga não se alimenta da ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA e da Rússia
por André Barrocal — publicado 05/03/2014 12:28
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AFP PHOTO / VIKTOR Drachev
tropas russas
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O brasileiro que se desligou do mundo e caiu na folia durante o Carnaval tem motivos para um certo déjà vu ao voltar à realidade nesta quarta-feira de Cinzas. Em um lugar de nome esquisito e bem longe do Brasil, Estados Unidos e Rússia travam uma batalha diplomática que corre o risco de descambar para as armas. Aliados a forças locais distintas de um país em ebulição, Moscou e Washington lutam para que o poder caia nas mãos de um governo alinhado. E parece não haver meio termo: ou se está afinado com um lado ou com o outro. A Guerra Fria ressuscitou?
A crise na Ucrânia, aguçada com a queda do presidente pró-Rússia Viktor Yanukovich em 22 de fevereiro, tem muitos dos ingredientes da disputa “capitalistas x comunistas” que rachou o globo após a II Guerra Mundial. No sábado 1°, o parlamento russo autorizou o presidente Vladimir Putin a enviar tropas à Ucrânia para defender instalações militares e cidadãos russos naquele país, cuja parte leste tem forte identidade com Moscou. Na terça-feira 4, Putin chamou de “golpe de Estado” a queda de Yanukovich e admitiu usar a autorização parlamentar. No mesmo dia, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, foi à Ucrânia manifestar o apoio de Washington ao governo de transição e acenar com 1 bilhão de dólares de ajuda.
Estes lances encaixam-se no que se poderia chamar de uma “segunda guerra fria”. À diferença do conflito original do século XX, porém, não se alimenta de ideologia, mas de interesses estratégicos dos EUA. O fenômeno foi descrito no livro “A Segunda Guerra Fria”, lançado no ano passado pelo cientista político, historiador e professor aposentado de política exterior do Brasil Luiz Alberto Moniz Bandeira.
Desde os anos 90, diz o livro, os EUA dão importância crescente à Eurásia, região onde está a Ucrânia. Em 1994, o Departamento de Energia norte-americano identificou o Mar Cáspio, próximo da Ucrânia, como uma das maiores fontes de petróleo do globo. Uma baita descoberta para quem não sobrevive sem petróleo importado. E mais ainda porque a principal fonte conhecida, o Golfo Pérsico, é um caldeirão de antiamericanismo islâmico. Dali em diante, diz Moniz Bandeira, a prioridade geopolítica dos EUA consistiu em atrair os governos de países da região do Cáucaso, alguns dos quais pertenciam à ex-URSS. Washington fez isso inclusive mediante o envolvimento militar e uma política de regime change, ou seja, desestabilizando governos eleitos.
Na década passada, houve uma leva de vitoriosas “revoluções coloridas” contra regimes na região do Cáucaso: a Rosa na Georgia (2003), a Lilás no Quirquistão (2005) e a Laranja na Ucrânia (2004/2005). As três, diz Moniz Bandeira, foram incentivadas pelos EUA com um modus operandi batizado de “guerra fria revolucionária”: ONGs defensoras dos valores norte-americanos instigaram as populações locais contra os governos e as estimularam a ir às ruas, tudo descrito pela mídia internacional como revoltas espontâneas e democráticas.
O que acontece agora na Ucrânia, diz Moniz Bandeira, é uma reedição da “Revolução Laranja” de dez anos atrás. O problema – não só no caso da Ucrânia como nas demais revoluções coloridas - é que as turbulências ocorrem muito perto das fronteiras da Rússia. Um país que, sob Putin, superou a crise econômica decorrente do colapso da URSS e voltou a pensar-se como superpotência.
A seguir, o leitor confere os principais trechos da entrevista concedida por e-mail por Moniz Bandeira, que mora na Alemanha.
CartaCapital: Os EUA estão por trás das turbulências na Ucrânia?
Moniz Bandeira: Essa participação na subversão dos regimes na Eurásia é comprovadamente antiga. Na edição de 24 de novembro de 2003, o Wall Street Journal atribuiu o movimento contra o regime na Georgia a operações de um grande número de “organizações não-governamentais (...) apoiadas por fundações americanas e por outras fundações ocidentais”. E não pode haver maior evidência agora do que a participação aberta de dois senadores americanos - John McCain (Partido Republicano) e Christopher Murphy (Partido Democrata) - como líderes nas manifestações em Kiev. O economista Paul Craig Roberts, que foi secretário assistente do Tesouro no governo Reagan (1981-1989), escreveu que "a Ucrânia ou a parte ocidental do país está cheia de ONGs mantidas por Washington cujo objetivo é entregar a Ucrânia às garras da União Europeia, para que os bancos da União Europeia e dos Estados Unidos possam saquear o país como saquearam, por exemplo, a Letônia; e simultaneamente enfraquecer a Rússia, roubando-lhe uma parte tradicional e convertendo esta área em área reservada para bases militares de Estados Unidos-OTAN".
CC: Que interesses norte-americanos o governo deposto da Ucrânia ameaçaria? Que evidências disso o sr. apontaria?
MB: Não se trata de "ameaça". Nenhum país, evidentemente, ameaça os EUA. O problema é que o governo da Ucrânia não atende e não se submete aos interesses econômicos, geopolíticos e estratégicos de Washington. O presidente Viktor Yanukovych recusou-se a aderir à União Europeia e tendia a incorporar-se à União Econômica Eurasiana, cujo tratado o presidente Putin, como um grande estadista, está a negociar com as antigas repúblicas soviéticas. Esse tratado permitirá à Rússia conquistar dimensão estratégica e geopolítica de igual dimensão à da extinta União Soviética e voltar a constituir outro polo de poder internacional. O problema é a rivalidade dos EUA com a Rússia. A questão não é ideológica. É geoestratégica.
CC: Diria que a crise na Ucrânia é um prolongamento da Revolução Laranja?
MB: Claro que é uma nova Revolução Laranja. E não terminou. A Ucrânia está na órbita de gravitação da Rússia. E o governo que substitua o de Yushchenko não terá condições de resistir à sua vis attractiva [força atrativa], principalmente porque os EUA e a União Européia não têm condições de bancar financeiramente os problemas da Ucrânia e ainda por cima pagar a conta do gás que o país recebe da Rússia, com a qual tem enorme débito. Yushchenko era a favor do Ocidente quando assumiu a presidência da Ucrânia, porém, tal como seu antecessor, Leonid Kuchma, que solicitara adesão à OTAN em 2002, teve de mudar sua posição, diante da realidade geopolítica. A queda de Yushchenko seria certa se ele consumasse a adesão à OTAN. A Rússia não vai admitir a integração da Ucrânia na União Europeia. Ela possui uma base naval em Sebastobol e mais um porto em Odessa desde o reinado de Catarina, a Grande (1762 e 1796). A frota russa, baseada na península da Crimeia, controla o Mar Negro e as comunicações de importantes zonas energéticas (de reservas de gás e petróleo) através dos estreitos de Bósforo e Dardanelos com o Mar Mediterrâneo. A Criméia pertenceu à Rússia até 1954, e o povo em Kiev, com a queda de Yushchenko, está a demandar a secessão. A Rússia, decerto, não apoiará, abertamente, o separatismo. Porém, milhares de pessoas já estão nas ruas de Sebastopol a clamar "Rússia, Rússia, Rússia" com a bandeira russa e a gritar "Não nos renderemos a esse fascistas". A Crimeia tem cerca de 2 milhões de habitantes etnicamente russos, que não se submeterão ao governo dos fascistas em Kiev, apoiado pelo Ocidente. Em Simferopol, capital da Crimeia, com cerca de 350 mil habitantes, já estão sendo organizadas milícias para resistir a qualquer força de Kiev.
CC: O sr. parece identificar um padrão de intervenção não-violenta por parte dos EUA no pós-guerra fria. Um padrão a combinar a ação de ONGs e de líderes oposicionistas financiados por Washington com propaganda midiática. Diria que esta combinação está presente hoje na Ucrânia?
MB: Não há nenhum padrão de intervenção não-violenta dos EUA no pós-Guerra Fria. Os EUA intervém militarmente, de forma unilateral ou sob o manto da OTAN, quando podem. Intervieram na Líbia, mas não tiveram condições de fazê-lo na Síria, devido à oposição da Rússia e da China, embora continuem a financiar os rebeldes - na realidade, terroristas de Al Qa'ida e organizações similares. A guerra fria, portanto, continua, em uma etapa histórica superior, como demonstram os acontecimentos na Ucrânia, na Síria e nos demais países do Oriente Médio. Os EUA não deixaram de perceber a Rússia como seu principal adversário. De fato, a Rússia não perdeu, militarmente, nenhuma guerra. O que lá ocorreu foi a implosão de um regime socialista autárquico, inserido em uma economia internacional de mercado capitalista, da qual dependia e não podia desprender-se. Como sucessora jurídica da URSS, a Rússia herdou todo o seu potencial militar: cerca de 1.800 ogivas nucleares estratégicas operacionais e reservas de 2.700 ogivas, contra 1.950 ogivas operacionais e 2.500 ogivas de reserva dos EUA. O poderio militar das duas potências era equivalente. Após a dura crise econômica e política que atravessou nos anos 1990, a Rússia recuperou-se economicamente sob o governo Putin. E outra guerra fria, assim, recomeçou, uma vez que os EUA se empenham em implantar o full spectrum dominance [domínio de espectro total]. Na Ucrânia, um dos teatros onde as ONGs ocidentais impulsaram a cold revolutionary war em 2004-2005, a guerra fria reacendeu em 2013, uma vez que o governo recuou nas negociações para incorporar o país à União Europeia, o que podia abrir as portas para o estacionamento de tropas da OTAN dentro do seu território, conforme os EUA pretendem.
CC: Quais as ONGs vinculadas a Washington que mais se destacam na desestabilização de governos não-alinhados com os EUA?
MB: Essas ONGs, que promovem a política de export of democracy [exportação de democracia], são muito variadas, assumem nomes diferentes, embora os patrocinadores sejam virtualmente os mesmos: National Endowment for Democracy (NED), CIA e entidades civis, entre as quais Freedom House, a USAID [United States Agency for Cooperation International], o Open Society Institute (renomeado Open Society Foundations em 2011) do megainvestidor George Soros. Estas e outras organizações não-governamentais são uma fachada para promover mudança de governo sem que pareça golpe de Estado. Na Ucrânia, operam ONGs financiadas pela União Europeia.
CC: A crise na Ucrânia teria o mesmo peso e a mesma importância sem a cobertura dada pelas mídias locais e pela mídia mundial? Por quê?
MB: A Ucrânia é um país econômica e financeiramente muito debilitado. Seu governo, por diversos fatores e em distintas circunstâncias, cometeu muitos erros. E Washington trata de aproveitar as forças domésticas de oposição para fazer avançar seus interesses econômicos e geoestratégicos, através de ONGs financiadas pela NED, USAID, CIA e outras instituições públicas e privadas. Elas representam a mão invisível Washington nessas crises. Consciente ou inconscientemente, a mídia internacional serve como instrumento de psychological warfare [guerra psicológica], ao repetir e reproduzir como se tudo fossem demonstrações de massas e revoltas espontâneas. Isso vale particularmente para a BBC, a CNN e a Fox News. O fato é que o governo Obama continua a implementar uma estratégia para consolidar o full spectrum dominance estabelecido desde o governo George H. W. Bush. No atual contexto, isto significa que não interessa a Washington que a Ucrânia integre a União Econômica Eurasiana promovida pela Rússia.
CC: É possível para governos de países como a Ucrânia resistir à ofensiva da "guerra fria revolucionária" patrocinada por Washington? Por quê?
MB: Tudo depende das circunstâncias. É difícil prever. Apesar da decadência, os EUA são e serão uma superpotência por muitas décadas, enquanto o dólar for a moeda de reserva internacional. Militarmente, sem dúvida, os EUA nunca seriam derrotados. Mas uma superpotência devedora, cuja dívida pública se iguala ou mesmo supera sua produção de bens e serviços, uma superpotência que depende das importações, inclusive de capitais de outros países, para financiar guerras, sem as quais sua indústria bélica e toda a cadeia produtiva de tecnologia podem quebrar, não poder sustentar indefinidamente um sistema assim. Um dia, certamente, entrará em colapso. Certamente não mais estarei vivo. Mas o Império Americano, como todos os impérios, perecerá.
CC: Que desfecho considera mais provável para a crise na Ucrânia?
MB: Grande parte da oposição na Ucrânia é composta por elementos notoriamente fascistas. Eles são muito bem armados, muito bem organizados militarmente em companhias, patrulham as ruas em grupos de combate de dez pessoas, com capacetes e armas, alguns usando capacetes da divisão SS Galicia [região no Oeste da Ucrânia], que lutou ao lado dos nazistas alemães contra os soviéticos entre 1943 e 1945. Eles pertencem ao partido Svoboda, chefiado por Oleg Tiagnibog, forte especialmente no leste da Galícia, reduto da extrema-direita. Os chamados "ativistas" e "democratas" que fomentaram as demonstrações pro-União Europeia pertencem, em larga medida, a comandos do Svoboda e de outras tendências neonazistas e não escondem suas tendências xenófobas, racistas, anti-semitas e contra a Rússia. E foram com eles que os senadores americanos John McCain e Christopher Murphy se misturaram nas demonstrações contra o governo Yanukovych, democraticamente eleito e derrubado por um golpe, sob os aplausos dos EUA e da União Europeia. É muito provável que tais grupos neonazistas intentem a captura do poder em Kiev. Porém será difícil submeter a Crimeia.
CC: A Rússia jogou tudo o que podia diplomática e politicamente na atual crise na Ucrânia?
MB: A Rússia não jogou todas as suas cartas. O presidente Putin, que se revela o maior estadista da atualidade, sabe muito bem como dispor e lançar as pedras no xadrez da política internacional. Formado na KGB e havendo servido durante muitos anos na Alemanha Oriental, principal teatro do conflito Leste-Oeste, conhece muito bem como funciona a guerra nas sombras. A Ucrânia continuará ainda como cenário da segunda guerra fria e certamente a Rússia não aceitará, passivamente, que se integre na União Europeia. Haverá negociações ou derramamento de sangue. Quem viver verá.
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